9 de março de 2014

Correndo de si, correndo pra si... Parte I


Já passavam das 03h da madrugada quando ela resolveu levantar. Havia mais de um par de horas que ela rolava para um lado e para o outro da cama e o raio do sono não vinha. Na verdade, no age do seu êxtase, ela podia ficar sem dormir por uma semana até. Pensamentos do que tinha acontecido mais cedo se apossavam de sua mente e reverberavam no seu corpo. Por fim, achou que um pouco d'água ajudaria a matar a sede, que não era exatamente de água. No caminho para a cozinha perdeu-se em pensamentos deixando-se esquecer por um minuto do que estava indo fazer. 

Refrescou a garganta e aproveitou para respingar um pouco de frescor no rosto, que ela não via, mas imaginava estar ruborizado já que sentia suas bochechas ardendo. Passou a mão úmida pela nuca e sua pele que ainda estava sensível a qualquer toque reviveu a sensação daquelas mãos grossas e pesadas acariciando seu pescoço e puxando levemente seu cabelo para trás, forçando-a a olhar mais para cima, direto em seus olhos. 

Sarah sempre foi uma jovem sensata, cuja experiências enlouquecedoras e destemidas não faziam parte do seu histórico. Suas ações eram totalmente premeditadas e calculadas. E ela abominava a ideia de se deixar levar por um momento. Tinha muito medo das consequências. Tinha muito medo de sofrer. E para evitar isso, nunca cedia ao inesperado. Embora, muitas vezes espectadora de encontros, beijos e abraços casuais e apesar de uma pontinha de inveja despertar nela sempre que via essas cenas explícitas, fazia de tudo para fingir que não era nada demais e que o certo era se conter e se tivesse que se envolver com alguém que fosse aos poucos, para que dessa forma, ela pudesse calcular a dimensão do perigo e se afastar assim que o alerta vermelho de perigo piscasse. Bom, ao menos, na teoria ela sabia que era assim. Na prática, com sua pouca experiência e alguns relacionamentos frustrados e furados ela não sabia o que de fato era o certo a acontecer. Qual a maneira certa de se entregar.

Depois de quebrar a cara algumas vezes, Sarah se retraiu. Sua técnica de auto-defesa constituía em se esconder do mundo e dessa forma, evitar contato e logo evitar sofrimento. Então, muitas vezes, poderia existir uma tsunami de sentimentos dentro dela, mas sua expressão não esboçava nenhuma emoção. Hoje em dia pouco ria. Não, não tô falando daquele riso simpático e educado, ou aquele dado para despistar algumas perguntas ou ser algum tipo de resposta silenciosa. Era aquele riso espontâneo, que enche um lugar. Não, esse riso ela perdeu em algum lugar do passado, junto com a possibilidade de sonhar e de se deixar envolver quando se sentiu enganada e logo em seguida, rejeitada ao passar por um rompimento dramático, envolvendo mentiras, traição e muitas promessas falsas. Sarah quebrou a cara, o coração e a coragem. Tornou-se uma pessoa introspectiva. Tornou-se uma pessoa de sonhos na cabeça, medo no coração e olhar vazio de esperança. Então, não foi fácil sentir que algo havia mexido com ela naquele encontro inusitado, onde ela não conseguiu esconder suas intenções e se esconder. Pelo contrário: pela primeira vez na vida, ela sentia a necessidade de se mostrar! E essa sensação levou-a ao pânico!

Voltou para o quarto e ligou a tv a fim de desviar os pensamentos e focar em outra coisa que não fossem lembranças do cheiro, do toque, do beijo, do corpo colado ao seu, do olhar penetrante. Inútil! E apesar de estar vestida da cabeça aos pés como que para se proteger, sem bem saber do que, ela sentia a sensação de ter sido vista nua, completamente, aos olhos de um estranho que a desarmou com um mísero oi, na fila do café. - como isso era possível? - pensava ela. Parecia que ele a tinha despido com o olhar, tamanho era o desejo que mal cabia naquele metro quadrado cúbico. Ela desviou por diversas vezes o olhar, remexia o corpo como se estivesse incomodada com a presença dele ali encarando-a, trocava o peso de perna, alternando o movimento do quadril, passava a mão no cabelo, vez ou outra tomava o cuidado de conferir se sua make não havia borrado levando sua mão rente aos cílios inferiores e examinando se tinha excesso de sombra. Pois ela suava, e o dia estava frio pra cacete! Sorte dela que estava de costas para ele, o que permitia que ela soltasse alguns suspiros de admiração pelo porte atlético e sensual de seu admirador e de alívio pois ele não podia vê-la derreter-se para ele que nem sorvete em dia quente. Algumas vezes levava a mão à boca e mordia a pontinha da unha. Mal sabia ela o que esse pequeno e sutil gesto poderia estar provocando nele. Desejos indescritíveis, que ela acreditava ter pego ele de surpresa também. Se bem que, ela tinha certeza, que pelo "tipão" dele, devia ser costume desarmar as mulheres com sua beleza e sensualidade, uma prática corriqueira exercida sem nenhum esforço. E ainda no patamar das suposições, ela não se achava diferente das demais que babavam por sua imponente presença, a começar pela caixa registradora da loja que quando se deparou com a visão de um "semi-deus grego", como Sarah o apelidou mentalmente, a boca da moça automaticamente formou um o e o som sussurrado que saiu dela foi algo parecido com um susto, no bom sentido, é claro.

Sarah pediu um copo de café com leite, alguns biscoitos e um pedaço de bolo de chocolate recheado de calda. A moça registrava todas a compras mas sem tirar os olhos do "moço bonito". E Sarah não entendeu porque essa atitude da menina a estava incomodando tanto. Começou então a pensar que o "semi-deus grego" poderia estar olhando para a moça do caixa e não para ela, Sarah. - claro, como não percebi isso antes?! - exclamou só que em voz alta o que fez com que o "semi-deus" atrás dela emitisse um singelo: - desculpe, como é? Falou comigo?. Sarah paralisou. Ele não tivera só a audácia de segui-la com o olhar por toda a loja como tomou a liberdade de puxar assunto. Sarah fingiu não ter se dado conta de que a fala tinha sido com ela e continuou a recolher suas compras, colocar numa bandeja para se sentar em uma das mesas disponíveis próximas dali. Percebendo que Sarah não ia ceder facilmente a sua investida verbal, o "semi-deus" perguntou novamente: - oi, você falou alguma coisa comigo, minha linda? Novamente silêncio! A moça do caixa apontava com o dedo o valor das compras de Sarah sem conseguir emitir uma palavra pois estava boquiaberta com a investida na cara dura do "moço bonito" e a frieza de ignorá-lo de Sarah. Então, em fração de segundos, eram dois pares de olhos e ouvidos esperando uma resposta, a moça do caixa e o "semi-deus". Sarah entregou seu cartão à caixa e apenas se limitou a dizer, olhando para sua bandeja: - desculpe, devo ter pensado alto, não foi nada!. Em seguida, digitou a senha, guardou o cartão e virou de costas, não sem antes desejar um bom dia para ambos, ainda sem olhar nos olhos dele. A cara da caixa era de incredulidade. - sorte que consigo esconder meu desagrado - pensou consigo mesma, já que sua feição estava impassível, não transparecia a decepção que ela sentia com ela mesma por ter tido uma atitude tão idiota, mas incontrolável. Foi seguindo até o conjunto de mesas do lado de fora da cafeteria pensando baixo desta vez, se ela era uma adolescente do ensino médio sem jeito com o menino mais popular do colégio ou uma mulher independente, madura, com um cargo de respeito e confiança profissionalmente. Não tinha chegada a nenhuma conclusão enquanto se sentava e acomodava o que seria o seu café da manhã quando ouviu aquela voz familiar novamente falar com ela, seguido de um ranger de cadeira. - Oi, sou o Enzo, desculpe a intromissão, mas posso me sentar com você? As outras mesas estão descampadas e parece que a qualquer momento pode chover, e como a sua mesa comporta dois... você não está esperando alguém está? Não quero incomodar, só achei que podíamos dividir... e o "semi-deus" mal terminou a frase e Sarah soltou um não tão depressa que ela mesma se assustou com a rapidez proferida. 

Um milésimo de segundo, foi o tempo que levou para ela se arrepender de sua resposta. Ela sabia exatamente que ficaria sem jeito, travada, insegura e com vergonha e que provavelmente arruinaria o que indicava fluir para uma boa conversa. Quando estava sozinha na cia de um homem, automaticamente ela ligava o sistema de defesa ou agia friamente, seca mesmo como se não estivesse nem um pouco interessada ou tentava sempre se sobrepor sobre o sexo masculino, como que para se autoafirmar, firmar seu poder, só que perdia a mão e acabava beirando a soberba. Entre a primeira e a segunda opção, resolveu ficar com a terceira, criada na hora, que era de ficar na sua e apenas interagir quando solicitada. Não queria estragar aquele momento. Estava nervosa e não sabia explicar porque. Geralmente, mesmo os homens bonitos, ela conseguia lidar com uma certa distância e não se abalar, mas esse tal de Enzo, parecido com uma pintura de Michelangelo, estava acabando com seu treino para lidar com homens! Seu desespero de se sair bem era tanto que começava até a perder a fome. Indício para ela de que a coisa ia de mal a pior. Pois quase nunca perdia a fome. Nem em casos mais graves. A última coisa de que se lembra de pensar foi que graças a Deus, hoje ela tinha conseguido acordar na hora e se arrumar decentemente, passar uma maquiagem na cara e ajeitar o cabelo um pouco melhor. Muitas vezes ela perdia a hora e colocava a primeira roupa que via pela frente, prendia o cabelo de qualquer jeito para que ficasse menos pior do que ela julgava que ele era e nada na cara além de um singelo gloss claro. Ainda estava com o pensamento na avaliação de sua aparência quando foi arrancada de seu devaneio por uma pergunta... -  você vem sempre aqui? Por tudo que era mais sagrado, ela não queria entrar em detalhes e fornecer informações para que encontros eventuais ocorressem novamente. Ela mal conseguia lidar com esse, imagine outros. Mais uma vez, ela foi traída pela língua. - sim! Ela respondeu, um pouco mais calma e controlada dessa vez. É a primeira vez que você vem aqui?- ela perguntou e ela própria se surpreendeu com a sua iniciativa. - É sim a primeira vez - ele respondeu. Acabo de me mudar para a cidade a trabalho, hoje é o meu primeiro dia lá - apontando com o queixo enquanto abria o pacote de açúcar para um prédio alto e espelhado, conhecido pelo nome de Apollo. Sarah sentiu vontade de rir, aquele riso que vinha lá do fundo, pela associação do nome da empresa com o apelido que ela havia dado a ele, mas resolveu não fazer... vai que ela tem que explicar o porque do riso! E a partir daí, ela relaxou, em partes, e a conversa começou a fluir. Ele começou a falar do trabalho que era analista financeiro, a rotina, os problemas que implicam, as responsabilidades e pressão, e ela, por sua vez, complementava falando um pouco do seu que era assessora da diretoria numa empresa de designer gráfico, falando sobre como nenhum dia é igual ao outro, como a empresa toda treme em época de campanha, como era solicitada em horários diversos, as tomadas de decisões de supetão. Ambos se espantaram com a facilidade com que a conversa fluía e como aparentava que já se conheciam um tempão, pois para dois estranhos, estavam super à vontade na cia um do outro. Coisa que era novidade para Sarah. Mas Enzo também era mais reservado quando se tratava de sua vida pessoal, portanto, para ele também estava sendo surpresa como o entrosamento entre eles corria bem, pena que Sarah suspeitava que ele era um conquistador nato e mantinha algumas ressalvas com relação a fornecer algumas informações de bom grado.

E de repente, um silêncio se fez. O assunto profissional acabou. Ambos se concentraram em seus lanches. Entre mordidas e olhadas disfarçadas, Sarah tentava achar um assunto para puxar que não fosse muito pessoal, dando a ideia de que ela estava sendo invasiva demais. Parecia que ele avaliava também o terreno que estava pisando e qual o próximo tema que abordaria. E nessa indecisão, não deu tempo de mais nada. A garoa começou a cair e logo se transformou em pingos largos. Sarah e Enzo recolheram suas bandejas correndo, depositaram os restos na lixeira e correram para se abrigar dentro da loja, já que o vento era tanto que o guarda-sol da mesa não comportou cobrir os dois. Com passos largos de Enzo e saltinhos de Sarah, em poucos segundos alcançaram a porta de entrada e lá se abrigaram da pancada de chuva que caiu do nada. Esse contratempo tinha tudo para melar a boa relação que eles estavam conseguindo ter. Sarah ficou desapontada, mas conseguiu esconder bem sua cara de chateação. Enzo já não. Notava-se claramente que ele tinha levado um balde de água fria pelas ventas, pois sem ter lugar para sentar e conversar e conseguir maiores informações um do outro, poderia ser que nunca mais se vissem. Afinal de contas Copacabana é grande e conta com uma vasta variedade de cafés e bares. A probabilidade de se esbarrarem era remota! Enzo tentava pensar numa forma de tentar uma nova aproximação e foi resgatado de seus pensamentos quando Sarah remexeu em sua bolsa, tirou o celular de lá, conferiu o horário, olhou para o tempo e fez uma cara de quem tem que partir.

Sarah avaliava o tempo como se quisesse prever o quanto ia se molhar até o seu trabalho e estando tão intertida não se deu conta dos movimentos de Enzo, embora fosse quase impossível não notar o "semi-deus grego". Vindo de São Paulo, conhecida como a terra da garoa pois é sempre chuvosa, quando veio para o Rio, a terra da praia e do sol se desfez do seu amigo guarda-chuva. Mas, sempre tem alguém prevenido nesses lugares muito frequentados. Não precisou muito para que Enzo avistasse um senhor com um guarda-chuva grande que comportava confortavelmente duas pessoas. Na base do cochicho e na manha, apesar de não ser carioca, deu seu jeitinho e comprou o tal guarda-chuva. Sorridente e satisfeito de sua artimanha, quando Sarah se deu conta, o "semi-deus" estava bem atrás dela, quase que de corpo colado, falando com ela bem próximo ao seu pescoço cujo os pelos se arrepiavam conforme sentia a proximidade de sua fala, sua boca quente junto a sua pele. Apesar de ter tomado café, seu hálito parecia delicioso. Possuía um frescor super convidativo. - Você quer que eu a acompanhe até seu trabalho? Não creio que queira molhar seus sapatos e desmanchar seu cabelo e maquiagem perfeitos, disse o semi-deus" com um sorriso malicioso nos lábios. De fato, ela não queria nada disso! E, não lhe parecia tão ruim assim aceitar uma "carona" num guarda-chuva com alguém que até há pouco a conversa fluía maravilhosamente bem. Ela avaliou a situação, ponderou um pouco antes de responder e pode conter o riso ao notar a expectativa no olhar de Enzo, sacudindo o guarda-chuva igual a uma criança com presente novo. - Tudo bem, não custa nada. Não vai te atrapalhar, já que praticamente você está dentro do seu trabalho? Não quero atrasar você, disse Sarah, olhando para o nada, já ficando um pouco encabulada. - Uma boa causa é sempre bem justificada!, respondeu Enzo, o que fez surgir um pequeno risinho de satisfação nos lábios de Sarah, sem que ela se desse conta. Entre "por favor", "com licença", "desculpe" e "obrigado" os dois saíram espremidos do meio da multidão que lotava o local com medo da chuva e ganharam a rua unidos,  por um guarda-chuva.

Passos, buzinas, a chuva no cimento e nas marquises, ruídos da vida urbana movimentada era o que pudia-se ouvir no silêncio emanado dos dois que caminhavam lado a lado, como bons amigos. Não deveriam ter se passado mais do dois minutos, mas parecia uma eternidade. Imersos em seus pensamentos, cada qual focado em seus propósitos, mantinham o passo apressado e ao mesmo tempo leve. Como se a caminhada fosse um passeio à beira de um lindo lago num dia ensolarado e não espremidos em um guarda-chuva num dia chuvoso. Enquanto avançavam no meio da multidão, desviando de guarda-chuva aqui, guarda-chuva ali, ficavam cada vez mais próximos, até que, se tornou inevitável um contato maior. Mesmo com todos os esforços de Enzo para movimentar com destreza o objeto, a grande massa de guarda-chuvas que surgiram com a rapidez com que a chuva caía, tornou difícil o tráfego e ambos estavam ficando parcialmente molhados. Tomando o cuidado para não ser mal interpretado, Enzo levantou seu braço direito e fez um movimento com menção de colocá-lo ao redor dos ombros de Sarah, que por sua vez, percebeu a ação e se retraiu. Notando um certo desconforto e o olhar de rabo de olho para cada movimento  Enzo, com toda sua cautela, antes de deixar cair o braço por cima dos ombros de Sarah, perguntou: - posso? Ela assentiu que sim com a cabeça num movimento automático, mas seu ar era pura desconfiança. "O que será que ele pretende com isso?", se perguntava incessantemente? Até agora, apesar de um olhar penetrante e um sorriso malicioso, tinha agido como um completo cavalheiro, não tendo nenhum gesto ou atitude indelicada. Por hora a conversa tão animada entre os dois parecia ter sumido para dar lugar a uma avaliação minuciosa, como se quisessem prever cada movimento e interpretar as reais intenções das ações. Mas, isso não era possível. Ainda sentindo o desconforto de Sarah, Enzo tomou cuidado para que mantivesse uma certa distância "segura" do resto do corpo dela. Quando Sarah percebeu isso, relaxou um pouco mais. Ela estava calma por fora, mas nervosa por dentro. Ela não sabia explicar o que acontecia, além de uma atração sem tamanho pelo "semi-deus". Graças à prática constante de ioga, conseguia controlar o corpo, senão, estaria evidente uma tremedeira sem fim, a ponto de mal conseguir coordenar as pernas. O perfume meio seco porém suave invadia sua alma. E ela achava charmoso e majestoso o modo como ele se movia, olhando sempre pra frente, fingindo fazer pouco caso do que estava à sua volta. Graças também que estava andando lado a lado ou caso contrário seu rosto já estaria em chamas, tornando evidente o quanto se sentia envergonhada em sua presença. O jeito como ele a olhava, o jeito como tentava desvendá-la deixava-a tão vulnerável que chegava a ser desconsertante. Não que ela não gostasse daquilo. Só não estava acostumada a ser assediada tão explicitamente. Depois de alguns poucos e frustrados relacionamentos, depois que acabam e mal, como qualquer mulher rejeitada, Sarah sempre tendeu a procurar em si os defeitos e erros pelos quais estava sendo largada. Nunca lhe ocorreu que a culpa poderia estar no outro. E que o término poderia ter sido por motivos mil, e não algo que ela tenha feito ou deixado de fazer. Embora familiares e amigos tenham repetido como um mantra essa história várias e várias vezes, parecia que nunca entrava na cabeça. Na verdade, lá no fundo ela sabia que acabava usando como desculpa as razões desconhecidas que faziam um relacionamento não dar certo para afastar toda e qualquer chance de ter um novo envolvimento com alguém. Era orgulhosa demais para admitir que morria de medo de ser magoada, de ser enganada, de sofrer, de acreditar e se entregar e ser em vão. E passar por tudo novamente. Não sabia se aguentaria. Então, a opção mais fácil, sempre, era manter uma distância segura, e ao menor sinal de que o outro ameaçava invadir sua zona de conforto, ela caia fora. Tratava de afastar "sem mais nem menos". Não exitava fazer isso sob a desculpa de se proteger, quando na verdade, o que lhe faltava era coragem para arriscar. Mas agora, sob a companhia desse "semi-deus" desconhecido, que a abraçava forte, com um cheiro gostoso e um jeito irresistível, começou a entender que o problema não era falta de coragem, era aparecer a pessoa certa, que despertasse nela a vontade de ir, infinitamente, sem se preocupar com mais nada. E, subitamente, Sarah se viu com vontade de 'se jogar'. E com o vento fresco batendo em seu rosto, algo lá dentro dela começou a gritar que era chegada a hora. Chega de desculpas esfarrapadas. Era a hora de enfrentar, principalmente a si mesma.


Fê Miceli


7 de março de 2014

Ato final





E as cortinas vão fechar...
Mas elas sempre fecham, não é?
Tudo na vida tem um início, um meio e um fim.
Por mais que a gente custe a aceitar que muitas coisas tem prazo de validade!
Mas enquanto durou, foi lindo!
Eu dei pra você os melhores anos da minha vida.
Eu me doei de corpo e alma!
Eu não me importava de passar horas, dias e semanas inteiras com você.
Nem mesmo dispensar programas e amigos final de semana por sua causa me deixavam chateada.
Quantas e quantas vezes cheguei cansada em casa, me arrastando.
Depois de um dia inteiro de trabalho a gente só quer banho e cama.
Mas eu não!
Eu queria estar lá!
Eu queria estar com você!
Eu queria sentir você!
Nem as dores físicas eram empecilho
Nem os problemas emocionais eram desculpas
Fazendo chuva ou sol, lá estava eu... feliz ♫

Eu não sei dançar mas danço assim mesmo.
Simplesmente fecho os olhos e deixo a música me levar.
Meu corpo reverbera movimentos que nem o significado eu sei,
Pés, pernas, braços, mãos, quadril, dorso, pescoço, cabeça
Cada parte ganha vida própria, cada parte ganha seu ritmo.
Faz tempo que eu já não me importo mais em saber porque ou pra quem eu danço,
Eu simplesmente danço!
E quando se para de procurar explicações, tudo faz sentido.
Não sou a primeira bailarina,
Não danço na primeira fila,
Meus pés me traem muitas vezes na perfeição,
Minha postura não é a mais invejável,
Minha técnica não é tão limpa
E minha memória agora confesso, já não é como era há algum anos lá atrás,
E nem meu corpo que hoje executa movimentos com certa dificuldade,
E quando o movimento sai.
Mas a minha alma, essa não, não enferruja e envelhece nunca!
Estou sempre flutuando, radiante, vitoriosa e glamourosa,
Estou sempre sorridente e realizada
Porque estou fazendo o que eu amo fazer
E faço por mim e ninguém mais!

E foram dias, meses e anos nesse relacionamento de total entrega,
Foram tantos momentos onde apenas a dança me consolava,
Era nela que eu me encontrava,
Era nela que eu procurava conforto,
Era nela que eu depositava todas as minhas alegrias e tristezas
Era nela que eu descontava minha raiva e frustração.
Mas também era com ela que eu celebrava
Era com ela que eu me completava,
Era com ela que eu me permitia ser quem eu quisesse ser,
Era com ela que eu deixava aflorar meu íntimo sem vergonha e sem pudor.
Em cima do palco não só eu era realizada,
Mas também não era julgada.

E depois de tantos momentos lindos juntas,
Chega a hora da separação.
Temos que aprender a respeitar os limites do corpo,
Temos que aprender a aceitar o curso da vida.
Tudo muda o tempo todo e fica difícil de manter a direção.
Várias escolhas e caminhos se abrem diante de nossos olhos todos os dias,
E nem sempre se pode seguir com toda a bagagem.
Há aquelas que temos que nos livrar,
Há aquelas que temos que guardar,
E há aquelas que conseguimos seguir com...
Infelizmente, não é esse o caso e a despedida é inevitável!
Foi eterno enquanto durou, mas chegou ao fim...

Eu vou agradecer!
Agradecer por me proporcionar os melhores anos e momentos,
Por trazer pessoas e lugares eternos pra minha vida,
Por me proporcionar experiência únicas de superação, de fé e de autoconhecimento, sempre.
E sei, lá no fundo, que há sempre a possibilidade de um novo encontro,
Há sempre a chance de uma "última" dança casual,
Há sempre a possibilidade de 5,6,7 e 8 e "vavavum"!
Não saio desiludida e nem sofrida,
Não é um adeus pra nunca mais voltar,
É um "até mais" sem data marcada pra voltar, só isso!
Mas toda vez que eu olhar no espelho ou na minha história
Ela sempre estará lá...

MUITO OBRIGADA, por tudo e por nada!

E quando o último ato acabar,
E quando a última luz do palco apagar,
E quando enfim a cortina fechar,
Ainda sim, continuarei ali,
Saboreando aqueles segundos entre os aplausos e a certeza do sucesso, do dever cumprido!
E sairei, talvez sem buquê de rosas nas mãos,
Sairei talvez com lágrimas nos olhos e sem sorriso no rosto,
Sairei talvez saudades do que não viverei mais,
Mas sairei de cabeça erguida.
Sairei satisfeita,
Sairei apenas segurando as minhas fiéis companheiras de uma vida inteira,
As sapatilhas...
Sairei e darei uma última olhada para trás,
Sairei e saberei que sou realizada e que agora não dançarei as coreografias pensadas dos professores,
Estarei dançando as coreografias da vida improvisadas,
Porque essas não tem como ensaiar.
Mas uma vez bailarina, sempre bailarina!



"Vou dançar até meus sapatos pedirem para parar. Aí eu paro. Tiro os sapatos, e danço até a vida acabar!"

Autor desconhecido