Hoje o dia foi de lembranças e de muitas saudades. De tristeza e de partidas. Faleceu minha tia, última dos 6 irmãos de minha avó. Com a perda da pessoa amada, vêm mais do que a perda de sua presença, vem a perda de parte de uma identidade, de um laço que nos une e que não necessariamente, seja tão fortemente apenas amor. Sim, sentia uma simpatia por ela. Era engraçada, falante e "passeadeira", como dizia vovó. Mas, não era aqueeeeele apego. Mas, nosso contato ficou maior agora, no fim de sua vida e no início da minha, onde a concepção de tempo, perdas e ganhos não são compatíveis aos 70 e aos 21. Mas, sim, posso dizer que a aproveitei muito. Só que a sensação de perda, de quebra de um vínculo, de suas histórias e das heranças que não mais serão passadas é esquisito! Me sinto meio órfã de pessoas mais velhas na minha família. Pessoas mais velhas que agem e sentem como pessoas mais velhas, mais pacientes, mais tolerantes, com mais ou as mesmas histórias para contar, com alguns passados a esconder e outros à mostrar. Com muitas quinquilharias guardadas, com algumas manias e teimosias. Sinto uma carência de ainda poder desvendar minhas origens. De ainda poder saber certos segredos "incontáveis!" Sinto saudades...
Lendo em casa uns textos sobre perda e dor, deparei-me com esse que me hipnotizou. O tema central gira em torno mais uma vez do amor entre homem e mulher, mas a magia está nas célebres frases da autora, onde ela diz que saudade, é não saber. E não saber é o que mais nos dói. Verdade! Quando você sente saudade, mas pode sanar essa questão, pronto, voilà: eis que através de um telefonema, um email, um torpedo, um olhar esguio procurando no lugar certeiro, um encontro casual forjado e pronto, sabemos onde fulano(a), nosso(a) causador(a) de perda de sono, angústia, aflição e ansiedade está. Mas, e quando não há comunicação que faça-nos ter notícias de uma mãe, de um filho, de uma avó, de um irmão, de primos, de amigos, de amores? Isso sim, dói! E essa dor, nem de longe é igual a que imaginamos sentir um dia. Não importa quantos anos se tenha, sempre julgamos, em algum momento da vida, "já termos sentido a maior dor do mundo". Mas, ela não é nem a metade da dor que nos acomete quando somos obrigados a seguir em frente sem poder voltar, sem poder olhar pra trás, sem poder, sem saber... E agora, depois de algumas perdas, físicas ou de laços afetivos, sei bem qual a dor que dói mais. E como dói mais.
A dor que dói mais - Martha Medeiros
Trancar o dedo numa porta dói.
Bater com o queixo no chão dói.
Torcer o tornozelo dói.
Um estalo, um soco, um pontapé, doem.
Dói bater a cabeça na esquina da mesa, dói morder a língua, dói
cólica, cárie e pedra no rim.
Mas o que mais dói é a saudade.
Saudade de um irmão que mora longe.
Saudade de uma brincadeira da infância.
Saudade de um filho que estuda fora.
Saudade do gosto de uma fruta que não se encontra mais.
Saudade do pai que morreu, do amigo imaginário que nunca existiu.
Saudade de uma cidade.
Saudade da gente mesmo, que o tempo não perdoa.
Doem essas saudades todas.
Mas a saudade que mais dói é a saudade de quem se ama.
Saudade da pele, do cheiro, dos beijos.
Saudade da presença, e até da ausência consentida.
Você podia ficar na sala e ela no quarto, sem se verem, mas sabiam-se lá.
Você podia ir para o dentista e ela para a faculdade, mas sabiam-se onde.
Você podia ficar o dia sem vê-la, ela o dia sem vê-lo, mas sabiam-se amanhã.
Contudo, quando o amor de um acaba, ou torna-se menor, ao outro
sobra uma saudade que ninguém sabe como deter.
Saudade é basicamente não saber.
Não saber mais se ela continua chorando num ambiente mais frio.
Não saber se ele continua sem fazer a barba por causa daquela alergia.
Não saber se ela ainda usa aquela saia.
Não saber se ele foi à consulta com o dermatologista como prometeu.
Não saber se ela tem comido bem por causa daquela mania de estar sempre ocupada;
se ele continua a trabalhar no relatório;
se ela aprendeu a conduzir;
se ele continua preferindo Stout;
se ela continua preferindo sumo;
se ele continua sorrindo com aqueles olhinhos apertados;
se ela continua dançando daquele jeitinho enlouquecedor;
se ele continua abraçando tão bem;
se ela continua gostando de Massas;
se ele continua amando;
se ela continua a chorar até nas comédias.
Saudade é não saber mesmo!
Não saber o que fazer com os dias que ficaram mais compridos;
Não saber como encontrar tarefas que lhe cessem o pensamento;
Não saber como conter as lágrimas diante de uma música;
Não saber como vencer a dor de um silêncio que nada preenche.
Saudade é não querer saber se ela está com outro, e ao mesmo tempo querer.
É não saber se ele está feliz, e ao mesmo tempo perguntar a
todos os amigos por isso...
É não querer saber se ele está mais magro, se ela está mais bela.
Saudade é nunca mais saber de quem se ama, e ainda assim doer.
Saudade é isso que senti enquanto estive escrevendo e o que
você, provavelmente, está sentindo agora depois que acabou de ler...
Inspirada no texto acima, tento juntar algumas palavras que traduzem um sentimento.
Arrisco-me a rascunhar umas linhas sobre minhas perdas, minhas dores, minhas saudades... Talvez, através dessas frases, tentar exteriorizar minha dor e, dessa forma, reduzi-la.
Talvez, tentar entender. Quem sabe começar a aceitar!
...
Não me consola saber que a vida é infinita
Que nada morre
Que tudo é eterno.
Na partida definitiva, não há como fugir
Da maior dor pelo ser humano sentida.
Separam-se os corpos
Ah, saudade doída!
Saudade que ofusca a vida e que só o tempo ameniza a dor.
Laços que se desfazem
Numa partida sempre inesperada
Que bom seria se essa despedida
Pudesse ser adiada.
As lembranças que ficam
De imediato atormentam.
Onde buscar as cores, gestos e olhares?
Como dialogar com o silêncio?
Como tocar o nada?
Como trazer tudo de volta?
Impossível! Ah, dor infinita...
Resta apenas esperar
E pedir para o tempo voar
Para a dor amenizar e ficar com a esperança
De que um dia,
Em algum lugar,
Com outros rostos,
Possamos a historia de nossas almas...
Continuar!
É só o que resta
Para consolar!