14 de abril de 2016

Que eu me livre


Que eu me livre da saudade que não chora, da liberdade que não voa, da sabedoria que não erra.
Que eu me livre do riso que se contém, do grito que faz silêncio e das lágrimas que não rolam.
Que eu me livre do abraço gélido, do aperto de mão por educação, dos olhares que se cruzam, mas não se veem.
Que eu me livre da febre de existir e me lembre da ânsia de viver, aquela que me tira o fôlego.
Que eu me livre daquilo tudo que não me amanhece, não me colore, não me renasce.
Que eu me livre daquilo que me trava o passo, que me vence no cansaço, que me definha rumo ao caos.
Que eu me livre da atenção mendigada, do amor faminto, do amor que falta.
Que eu me livre da sanidade exagerada, do ego camuflado e da mania de me achar com a razão.
Que eu me livre das minhas máscaras e dos trilhos sobre os quais caminho e que não são os meus.
Que eu me livre de tudo aquilo que se toca, mas não se sente.
Que eu me livre daquilo que os meus olhos veem, mas o meu coração não sente.
Que eu me livre de não ousar, não me permitir, não me aventurar naquilo que desconheço.
Que eu me livre do voo interrompido, da decolagem atrasada e do pouso interditado pela falta de ter onde pousar.
Que eu me livre de mim mesma e de todos os meus possíveis e falsos eus.
Que eu me livre de não perdoar, não relevar, não amar.
Que eu me livre das amarras que envolvem minhas asas e das encostas que circundam minha maré.
Que eu me livre daquilo que encarcera a minha independência e me faz refém do comodismo.
Que eu me livre, inclusive, daquilo que é cômodo e inerte, daquilo que me mantém no sofá da casa e da alma.
Que eu me livre do não sentir.
Que eu me livre do não viver.
Que eu me livre de não ser livre.
E que a própria liberdade seja a minha libertação.

(Kamila Behling)