6 de julho de 2010

Lembranças controladas...


A revista Galileu desta semana tem como capa a seguinte manchete: “Uma cura para os seus medos. Estamos mais próximos do dia em que existirá uma pílula capaz de apagar traumas ou memórias dolorosas. Mas será que isto é bom?
Nem tinha lido a matéria ainda e fiquei me perguntando como isso seria possível. Como seria viver sem lembranças? Ao longo da nossa vida, passamos por uma série de experiências, sensações e momentos. Muitos são bons, mas também há aqueles que são ruins. Quem nunca se pegou dizendo: “-Ah, se eu pudesse esquecer de vez...” e parece que as preces da humanidade foram atendidas. Por enquanto é só um estudo de laboratório, mas com o avanço da medicina e da tecnologia, logo caminharemos para o dia em que será possível tomar um remédio à noite e acordar sem aquela lembrança dolorosa do dia seguinte ou aquela que nos persegue há anos.
Passei por decepções amorosas, rejeição paterna, dificuldades nos trabalhos, problemas de relacionamentos com amigos e com o mundo em geral. Mas, tudo isto que nos marca, e que dói, constrói a pessoa que somos hoje. Nos tornamos mais fortes, adquirimos uma maior percepção de perigo e cautela, aprendemos com os erros do passado para acertar num futuro próximo. Muitas destas marcas formam nosso caráter, nossos valores, nossos sentimentos. E, por pior que possam ser as situações que passamos, eles servem ora como motivadores, ora como instrutores para a vida.
Não me imagino tendo que apagar episódios, páginas de minha vida, por piores que elas tenham sido. Já foram escritas e a partir delas, muitas histórias deram continuidade. Apagar as lembranças seria como deixar buracos em branco numa página preenchida. Seria como, em uma narrativa, ter início e fim, mas não o meio. Sei lá, parece meio sem noção, surreal! Mas, esta é a minha visão. Não sei o que é viver na pele de gente que se sente perseguido ou que teve sua vida alterada como conseqüência de alguma situação difícil de superar. De repente a maneira como estas pessoas lidaram com a situação, enfrentaram seus medos, recordar constantemente um fato pode ser traumático e não trazer nenhum aprendizado. A tendência a repetir um comportamento caso ele não seja identificado como perigoso ou que pode causar mal. E a dor é que nos ajuda a fazer esta distinção. Aprendizado básico de infância. Se você queima o dedo no fogão, nunca mais você vai colocar o dedinho lá porque a lembrança da dor vai estar presente na sua mente. Se você escorrega na escada por estar correndo, na próxima vez você descerá a escada andando. A tendência é não repetir o erro, tendo como norteadores os medos e as dores constantes em nossa mente. Porém, estes sentimentos não podem ser bloqueadores e empecilhos para que a gente reverta a situação. Eles não podem nos intimidar a nos trancar dentro de nossos próprios traumas e neuras. É claro, estamos falando aqui, na matéria, de pessoas que sofreram abusos, violências, seqüestros, presenciaram assasinatos, danos nada naturais e nem fáceis de superar. Mas mesmo assim, não sei se seria adepta a “deletar” da lembrança tudo o que aconteceu comigo. No final das contas, fica a sensação de estar naquele filme: “Como se fosse a primeira vez”. Que a cada dia na vida de uma jovem que tem problemas de memória, tudo se repete, mas para ela que não lembra, é como se fosse à primeira vez.
Nem todos concordam com este meu ponto de vista. O neurocientista Ivan Izquierdo, professore da PUC, do Rio Grande do Sul, coordena equipes de pesquisas sobre mecanismos cerebrais há 40 anos. Para ele, “existem fatos que precisam ser esquecidos. Se isso não acontecer, a convivência humana seria simplesmente impossível. Nos esforçamos para deixar de lado coisas desagradáveis e selecionamos as memórias que nos ajudam. Esquecer é tão importante quanto recordar”. Sob este aspecto, concordo plenamente. Mas, sobretudo, gosto mais ainda do meu poder de escolha e de decidir se as minhas lembranças vão ser afogadas no meu esquecimento ou se estarão presentes a cada minuto do meu dia.
Bom, que venha aí esta tal pílula milagrosa. Aí, depois de alguns experimentos, vejamos o que nos revelam os usuários. Se satisfeitos com o remédio e este não possuir contra indicação, acredito que boa parte dos brasileiros vai entrar na fila para não ter que lembrar da derrota do Brasil para a Holanda, na Copa do Mundo, das roubalheiras e falcatruas dos governantes do país, da falta de condições mínimas de sobrevivência a cada dia pela maioria da população.
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Ainda sobre este assunto, levanto outro em questão, mais ou menos na mesma vertente. Hoje em dia, com a vida tecnologicamente informatizada, quase toda a nossa existência está dentro da internet. Se não chega a tanto, pelo menos alguns dos nossos passos diários. Fotos, recados, emails, contas bancárias, documentos pessoais e toda e qualquer informação sobre uma pessoa. Podemos ter acesso à vida de alguém a partir de um clique. Podemos rastrear a vida de alguém apenas acessando o mesmo computador que ela há algumas horas. Então, esquecer um ocorrido somente não basta. Temos que deletar a existência cibernética. Senão for assim, fica impossível esquecer e também de nos deixar cair no esquecimento.

Bom, fica aí um bom assunto para se pensar... Não pra mim! Não quero apagar nada, tenho a convicção de transformar toda experiência em aprendizado, por mais que demore. Tudo que vivi me dá orgulho! E além do mais, eu quero mais é ser lembrada, rs.

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