Ontem, remexendo nuns guardados, achei a antiga aliança de casamento que minha avó usava. Enquanto coloquei-a no dedo e oscilava entre a saudade e a conformidade, me veio uma lembrança súbita de uma dia comum, mais um de tantos que tivemos conversando do nada...
Ela estava em seu quarto, remexendo em seus guardados e pegou uma caixinha de madeira e começou a retirar de lá umas joias. A cada peça uma história e eu embarcando na dela achando o máximo saber um pouquinho da vida dela nunca sabida! Quando chegou na aliança, ela me mostrou, óbvio, sem muitas explicações - até porque não necessita explicar de onde vinha e a história da aliança - colocou no dedo, ficou um tempinho olhando em silêncio e depois me deu, automaticamente. Eu, toda toda, coloquei no meu dedo e fiquei imaginando como seria a minha. Ai, perguntei: "-vó, porque você não usa mais?" Ela me olhou com aquele olhar meigo e cara de quem ia me dar uma grande lição - e deu - fez uma pausa e disparou: "-Casamento a gente guarda aqui (apontou para a cabeça) e aqui (apontou para o coração)."
Na hora passou. Aliás passou foi tempo, pois só nos últimos dias e que já deve fazer uns 6 anos dessa conversa que eu fui me lembrar dela e parar para pensar no que me foi dito. Será que ela quis dizer que um casamento, mesmo desfeito, porque ela era viúva, guarda-se sempre na lembrança e no coração e que a aliança não passava de mera simbologia? Ou será que ela quis dizer que para se ter um casamento feliz e de sucesso é necessário agir com a cabeça e com o coração? Pensei ainda na hipótese dela ter, implicitamente me dito, através dos sinais, que tem coisas que a cabeça esquece e o coração não. Mas é preciso ter coração para sobrepor as armadilhas que a mente nos prega. Conhecendo a minha avó como eu, ela também poderia ter me atentado para o fato de que num casamento, emoção e razão devem andar juntas, porque se uma falar mais alto que a outra, a coisa desanda que nem ponto de doce quando estraga. Apesar da sua criação e da sua idade avançada, não era uma pessoa antiquada e muito menos conservadora, acompanhava a evolução dos tempos, das relações e da mentalidade humana. Visto por esse lado, ela poderia ter querido me dizer por exemplo, "ame, mas não se esqueça de você". Ou, o que eu mais acho a sua cara, "amor não é sinônimo de burrice". Pois minha avó tinha uma intolerância impressionante apesar da sua paciência com pessoas que ela considerava burra ou que cometessem burrices.
Fato que agora não saberei mais a resposta, o que ela quis dizer com aquilo. Na época, essa coisa de casamento nem passava pela minha cabeça e muito menos me dei o trabalho de fazer uma análise das relações. Hoje, já casada e depois de vivenciar dia após dia uma relação ótima mas que como todas as outras necessita de ajustes e adaptação, tenho quase certeza que se me dita hoje, eu interpretaria a frase como: o casamento se mantém ou se constrói em cima de compreensão e solidariedade. Claro que outras coisas mais formam a base sólida de um casamento: cumplicidade, companheirismo, lealdade, amizade, carinho, ternura, sinceridade, autenticidade, comprometimento, diálogo, o próprio sexo e tantas outras coisas que só nos damos conta na prática. Mas se não houver compreensão mútua com o companheiro e solidariedade no sentido de se doar, se colocar no lugar do outro, estender a mão passando por cima de orgulho, teimosia, convencimento, raiva, mágoas não vai para a frente.
Voltei da minha reflexão, retirei a aliança do meu dedo e em silêncio respondi: "obrigada!" Mesmo tardia, mesmo sem o intuito, ela me deu uma grande lição. Não saberei dizer ao certo o que se passou pela cabeça dela naquele momento. Com que base ela tirou aquela frase maravilhosa ou porque ela teria me dito aquilo. Talvez, por todas as minhas especulações juntas... talvez por uma conclusão tão íntima que ela não teria revelado a ninguém. Talvez por uma certeza que ela mesma tenha tido apenas depois da partida de meu avó... Ou quem sabe em nada tenha a ver com ela e seu casamento. Apenas uma observação que obteve com a vida... e acho que o que ela queria de fato era me fazer pensar e chegar às minhas próprias conclusões!
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