10 de março de 2013

Mais atual do que nunca




Essa semana acabou a novela das 18h da Globo, Lado a Lado. É uma novela de época, que se passa no ano de 1904, aonde após a abolição da escravatura, ex-escravos, negros tentam se inserir na sociedade dos brancos, no mercado de trabalho, buscando reconhecimento e igualdade social, aceitação para suas artes e crenças e uma liberdade que nunca fora obtida: a de viver livremente, longe das amarras do preconceito! Aí, me pergunto: realmente é novela de época? Sei não... Pra mim parece mais atual do que nunca!

O problema é que vivemos numa sociedade falsa moralista, aonde ditamos regras liberais, agimos como modernos, mas vivemos presos ao submundo do preconceito e do julgamento. Não vejo grandes mudanças de lá para cá. Muita coisa que era censurada, desmerecida e proibida continuam sendo vistos com rabo de olho como condenáveis. A única diferença é que se esconde atrás de falsos sorrisos. 

A capoeira, por exemplo: hoje temos orgulho de levantar a bandeira dessa arte que é um misto de luta e de dança, acompanhada por batuques e berimbaus. Hoje temos isso como parte de nossa cultura. Reconhece-se que é uma grande herança deixada para nos pelos escravos como forma de liberdade de expressão. Hoje, podemos ver rodas de capoeira pelas ruas do Brasil tal como casais dançando tango em Buenos Aires. Mesmo assim, há uma certa resistência em torná-la de fato um esporte e tratá-la de igual para igual como o golfe, o futebol, o tênis, a equitação... modalidades tradicionalmente dominada pelos brancos e ricos, assim como tantas outras introduzidas pelos nobres da sociedade. Essas cultuamos, mas outras que são originais, do nosso sangue, ainda não passam de pequenas manifestações vista e praticada por um seleto grupo que ñ tem voz ativa.

A religião é outro exemplo. O Candomblé e a Umbanda são tidas como religiões promiscuas, que cultuam o mal, são motivo de piadas infames, seguidores são perseguidos por intolerantes religiosos. Muitas centros praticantes dessa religião não são expostos por medo de represálias. E nós (sociedade) que nos dita tão compreensivos para aceitar as diferenças, condena-se quem não faz parte. Visto que, no nosso calendário, muitos dias santos são considerados feriados. Um deles foi colocado até como padroeiro da cidade. Mas e os demais santos de outras religiões? São menos e insignificantes? Fora que, em muitas escolas, passa-se batido pela parte da religião onde se insere na nossa cultura o Candomblé e a Umbanda. E conta-se a história do Catolicismo. Desde a chegada dos jesuítas aqui até a catequese dos indígenas. Mas e quanto as rezas e crenças nas senzalas, que fazem tão parte da nossa história quanto qualquer outra religião? Rituais satânicos são associados à essas religiões e denigrem a imagem dela perante a sociedade por anos. E mesmo tendo uma grande força de vários praticantes, ainda é tida como uma "ceita macabra" e quem não conhece o assunto trata com total desrespeito. Ainda espero ver igualmente à igrejas sejam de que religião for, centros umbandistas para práticas dessa religião e não mais em pequenos quintas nos fundos de casas, quase que em segredo. Ainda quero ver um seguidos dessa religião bater no peito com orgulho e não se esconder ou ocultar sua crença e sua fé por medo de ser condenado, de ser destratado, de ser humilhado!

As mulheres daquela época lutavam por uma libertação, lutavam para terem voz ativa quanto a política e as decisões na sociedade. Queriam deixar de serem bibelôs e meras acompanhantes em jantares e reuniões formais para fazerem parte com voz ativa, com seus pensamentos, com suas ações de um país aonde ela vivia e que sofreria as consequências do que fosse decidido. Queriam respeito, acima de tudo. Queriam ser vistas como cidadãs. Queria inclusão no mercado de trabalho. Queriam o direito a decidirem o futuro da nação. Queria ter direito a decidirem por elas mesmas seus próprios futuros. Muitos vão dizer: mas hoje às mulheres ocupam os mais altos cargos de chefia do pais. Assumiram profissões masculinas e realizam as tarefas igual ou melhor. Conseguiram direitos trabalhistas exclusivos para elas. Conseguiram votar. Conseguiram assumir uma tripla jornada de trabalho: ser profissional, esposa e mãe. Mas ainda há a diferença salarial. Ainda há quem se recuse a ser chefiado por uma mulher. Ainda há assédio moral e sexual contra mulher no ambiente de trabalho. Ainda há a violência contra a mulher que cresce a cada ano em vez de diminuir, visto que agora a mulher é parte da sociedade, que tem direitos, leis que a protegem, tem voz ativa, são alguém. Mas a independência pela qual tanto lutaram ainda não é completa e custa caro. Ninguém cobra de um homem que ele seja sempre excelente em tudo e não ão de questionar se falhar. Mas a mulher, "já que ela quis essa tal igualdade, tem que dar conta". Ainda tem muita gente que "atura" as conquistas femininas, que fingem que aceitaram as mudanças. 

Os negros são sempre marginalizados, sempre discriminados, sempre apontados. Negro e pobre só pode ser bandido. Esse conceito mudou? Não! Existem cargos importantes ocupados por negros que conseguiram, com dificuldades e tabus, chegar lá. Mas são poucos. Quantos negros e mulatos temos em nosso país? Quantos se sobressaíram? Quem nunca se referiu a um "negro" como "preto"? Quem nunca achou que seria assaltado por um negro mal vestido? Quem nunca olhou para um negro e não deu nada por ele. Confesso que eu já e não me orgulho disso, apesar de não me considerar preconceituosa e possuir pessoas mestiças e negras na minha família. Mas é a imagem que foi criada ao longo de anos, massificadas na cabeça das pessoas. Negro é pobre e marginal. O pacote completo. O normal é ser inocente até que se prove o contrário, mas nesse quesito, são sempre culpados até que se prove o contrário. É injusto! É injusto até pela grande contribuição que nos foi dada por eles, durante anos, nos campos, nas cozinhas, nas grandes construções da cidade. Toda e qualquer parte da nossa história tem mãos e pés negros por trás. Mas parece vergonhoso enaltecer essa parte. vexatório é a petulância de quem se acha soberano e melhor por conta de uma merda de uma cor. Quem vê cor não vê coração. De que adianta pela branca, cabelos loiros e olhos claros, se a alma e o coração são pretos? E os maiores bandidos mesmo, vestem paleto e gravata, tem as melhores instruções, a melhor educação, a melhor casa o melhor carro, dinheiro pra dar e vender. São eles que se sentam nas cadeiras lá no Planalto, aonde nós os colocamos lá, esperando que sejam melhores e que façam por nós escolhas melhores para dias melhores. É uma maracutaia sem fim, mas essa nós aceitamos, porque afinal de contas, mesmo com tudo que se possa condenar, eles não possuem um passado de miséria, de medo, de vergonha para pesar.

O preconceito não foi extinto. Ele apenas foi camuflado. Está mais presente do que se pensa. Em cada esquina, em casa emprego, em cada casa, no íntimo de cada um. Preconceito de raça, de credo, de sexo. É uma falsa liberdade! É uma falsa aceitação. É um sorriso falso e um tapinha falso nas costas de quem, pelas costas apunhala com pensamentos e palavras grosseiras e diminutivas, com brincadeiras sem nenhum senso de humor. E porque a conquista dos negros é tido como milagre? "O primeiro homem negro"... "a primeira mulher negra" passou a ser condição para o sucesso. Pra que cota para negros nas universidades? Isso é racismo! Entra quem tem competência! Por que vagão especial para as mulheres? Isso é preconceito. tem que ter respeito! Nós aumentamos essa realidade. Ajudamos a endossar uma situação que ano após ano continua no erro. E cada dia que não lutarmos para mudar uma injustiça, uma palavra indevida, um pensamento errôneo, negros vão continuar a se esconder que dá no mesmo que entrar pela porta dos fundos. Sonho com o dia que os negros, não apenas alguns, mas todos, batam no peito com orgulho, da sua raça, da sua história, da sua crença. Que as mulheres não sejam menosprezadas. Que haja liberdade! Que os nossos morros possam contar histórias em vez de tragédias. Que as belas paisagens vistas de lá possam ser lugares onde todos os pés possam caminhar. Que as vozes do morro, do samba, do axé tenham força e que emanem aos 4 ventos que morro não é só violência, não é só erro, não é só pessoas, roupas, hábitos, fala e moradia. São rostos, são gente, são vida!

E as suas cenas que mais me comoveram foi, dois adultos, já de cabelos grisalhos, pedirem para estudar, na única escola que existe no morro. Mostrando que nunca se é tarde para mudar, para ter uma nova chance, para tentar melhorar. Afinal de contas, educação é para todos e quem tem estudo, conhecimento, tem o mundo em suas mãos. E a outra foi das atrizes principais Laura e Isabel, branca e negra, rica e pobre, da sociedade e do morro, vivendo em harmonia lado a lado, tentando juntas reescrever uma história de tolerância, respeito, dignidade, liberdade e paz.

Sou branca de cor mas negra de alma! Sou da capoeira, da umbanda, do morro e do samba. Sou gente que sonha em um dia ver a vida da gente ser classificada por valores, ética, condutas e moral e não pela cor, pelo sexo, pelo credo. Caminho lado a lado com a esperança de que a "liberdade abra as asas sobre nós e que a voz da igualdade seja sempre a nossa voz!"




Um comentário:

Cris Medeiros disse...

Eu acompanhei Lado a Lado desde o ínício porque adoro novela de época. Mas essa teve um toque especial, porque ela explica muito do que existe hoje, a origem das favelas, do samba e de tantas outras coisas. Eu amei!

Beijocas