29 de julho de 2015

Coisas que aquecem o coração...



Coisas que aquecem o coração: mais uma vez sou surpreendida por uma cena matinal. Meu ônibus pára no sinal e eu estou à janela, perto de uma calçada onde havia um senhor, morador de rua dormindo acompanhando do seu au au. Ele dormia em cima de um pedaço de papelão, coberto por um resto de manta quase se desfazendo. Uns sacos plásticos emaranhados eram seu travesseiro e o cãozinho ao seu lado dormia em cima de um jornal esticado. 

Uma senhora, acompanhada por uma moça mais nova vestida de branco, imagino que seja sua acompanhante, sai do portão do prédio quase em frente onde o senhor dormia. Ela para, olha para a cena e aponta sua bengala e cochicha com a moça. Cena não mais que incomum de pessoas indignadas não só com a condição social e a dura realidade de alguns, mas por vir esfregar isso à sua porta. Padrão de zona sul e de muitos por aí! Ser condescendente com o sofrimento humano, desde que seja longe. Porém, fui traída pelo meu pré-julgamento. A cena que eu presenciei a seguir foi de amolecer meu coração adormecido e descrente de boas ações de graça. 

A senhorinha apoiada na sua acompanhante e na bengala se aproximou do senhor, com muito custo para abaixar o tocou e o acordou, disse meia dúzia de palavras obviamente inaudíveis para mim, por conta dos meus fones e da distância, olhou para a moça que prontamente retirou de uma sacola que carregava consigo um cobertor, alguns agasalhos, um travesseiro e uma caminha para o au au. O senhor ficou perplexo! Não deve ter tido muito bom tratamento e ter usufruído de muita generosidade na sua condição vida afora. Ele disse algumas palavras para a senhora e a moça que a acompanhava e levou as mãos ao rosto, cobrindo e tentando abafar o choro. A senhora ainda abriu a carteira e retirou um dinheiro que deu ao senhor, imagino que deva ser para comprar comida ou algo assim. A senhora e o senhor trocaram mais algumas meras e rápidas palavras e ela acenou para ele, virou as costas e seguiu seu caminho, batendo papo com a moça. Ele, ainda incrédulo, olhava tudo que tinha recebido, fazendo carinho no au au e com cara de feliz. 

E eu mais uma vez tomei uma boa e bela lição do acaso. Por estar na hora certa e no lugar certo para presenciar momentos que não tem preço. Vivemos tão rodeados e assombrados pela violência que tudo e todos nos apresentam perigo. Quantos de nós não aperta o passo, segura mais firme a bolsa e olha pra frente quando nos deparamos com moradores de rua? Eu faço isso muitas vezes. Mesmo quando são pedintes e eu fico tentada a ajudar vendo a condição, ainda sim, tenho medo, principalmente se estou sozinha. Nos dias de hoje é muito difícil acreditar nas boas intenções de estranhos. Porém, já tive várias provas de pessoas que cruzaram o meu caminho do nada de que nem todas as pessoas que moram na rua são dadas a marginalidade. Nem todos que se aproximam para pedir uma ajuda estão prestes a nos assaltar ou cometer algum ato violento. Mas por não conseguirmos distinguir quem é do bem e quem é do mal, às vezes o justo paga pelo pecador, como se costuma dizer. Mais uma vez, um estranho me dá lição de vida. 

E eu que seguia meio chateada, de mal humor e sem vontade de nada para o meu destino, deixei o desânimo se esvair pela janela. Sempre há uma situação pior que a nossa, onde muitas vezes reclamamos de barriga cheia sem de fator nos darmos conta do quão abençoados somos. Hoje não é um dos dias mais frios, mas meu coração se encheu de bons sentimentos e principalmente se aqueceu com a ternura e a solidariedade daquela senhora. E rezo agora para que ela tenha uma vida longa e que possa disseminar seus lindos gestos por mais pessoas, pelo mundo. Porque é disso que a gente precisa, ter mais atitude por nós mesmo, nossa própria vontade, independente de achar que a obrigação é do governo e etc e tal. E ter mais amor ao próximo, mais solidariedade, mais generosidade, mais coragem para nos aproximar desta dura realidade crescente, apesar do medo e da desconfiança que já fazem parte...

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