21 de outubro de 2011

O sonho acabou???



Tem vezes em que acho que quando a vida anda perfeita demais, fatalmente acontecerá algo para acabar com essa felicidade. Não é mau agouro, nem negativismo: é fato! Acostumei a aceitar que nem tudo tem uma explicação racional na vida. E tem coisas, que nem explicação tem. Mas, nem por isso deixam de acontecer e nos abalar menos. E foi mais ou menos isso que aconteceu essa semana. Precisei respirar fundo e de tempo para absorver toda a informação. Ajeitar o sentimento dentro de mim e encontrar as palavras certas na hora de me expressar. Passado a tristeza e a incompreensão inicial, me resta apenas a conformidade. E uma previsão antecipada do futuro. Além, de olhar para trás e ver pelo caminho as migalhas do que um dia foi um plano de vida. Tenho a sensação de que a minha vida é tão perfeita que tenho que dar algo em troca para que seja assim. Claro, não é assim que acontece, mas por que temos sempre que perder ou abrir mão de algo em prol de outras coisas? Não sei! Tô me achando que nem aquele velho ditado: sorte no jogo, azar no amor e vice e versa.

Nunca foi minha pretensão essencial casar e ter filhos. Sempre encarei isso como consequência natural de relacionamentos e da vida. Confesso, depois de me encontrar num relacionamento bem sucedido, a idéia de filhos ainda não me apetecia. Me ver mãe e abdicando de mim por alguém, colocá-lo(a) em primeiro lugar, isso ainda não fazia parte de mim. Sentia que ainda havia muito por viver, muitas experiências, lugares, pessoas e momentos para curtir. Atingir algumas metas profissionais primeiro. E curtir bastante a vida à dois, porque depois que ela se transforma em três ou mais, nunca mais a privacidade e a liberdade do casal volta a ser a mesma. Enfim, na minha cabeça alguns argumentos prontos a serem disparados por quem insistia em perguntar incessantemente, quando viriam os filhos. “Não sei...” era a resposta. Hoje, a resposta é “nunca”! Muito cuidado com os pedidos que fazem pessoas. Eles podem ser atendidos prontamente. E vocês, diante do definitivo podem se arrepender amargamente.

Meu marido vinha fazendo consultas e exames regulares com o urologista e endocrinologista para solucionar um problema aparentemente hormonal. Não se sabia ao certo quando tinha começado, mas agora começava a afetar não apenas o físico e o emocional dele, mas também a relação sexual nossa. Nada que eu julgasse muito preocupante. Mas, também nada que devesse ser ignorado. Dizem que quanto mais fuxica, mais coisa acha. É a mais pura verdade! Quanto mais à fundo íamos no problema, mais grave nos dávamos conta de que era. Mas, uma vez acordado o bichinho da curiosidade, impossível parar ou desistir no caminho. E, a novela de inúmeros médicos, exames, medicamentos ineficazes tinha que acabar. Queríamos por um fim nisso e a única maneira de acontecer era saber o que de fato acontecia. Otimistas, achamos que nada mais que um tratamento. Seria o necessário para que ele levasse uma vida normal, dali pra frente. Sim, o tratamento vai existir, mas não da maneira como imaginamos. Com relação ao físico e ao apetite sexual, sim há cura, mas, com relação a questão filhos: não. Silêncio na sala! Não houve uma pausa grande para que o médico continuasse: é melhor falar agora para vocês ficarem cientes das chances do que criar falsas expectativas e nutrir esperanças em vão. Um balde de água fria até em mim que não cogitava muito esse assunto nem tão cedo. Olho para o lado e vejo meu marido desmoronar em lágrimas. Eu, sempre tão argumentada, só me restou um afago na nuca e um beijinho na bochecha na tentativa de ser solidária e fazer aliviar uma dor que eu sabia, era imensa. O mundo caiu literalmente, na cabeça dele e eu, pela primeira vez na vida me senti totalmente impotente. Sabia que naquela hora, nada do que eu falasse ou fizesse bastaria. Não ajudaria e seria em vão. O médico, quase que um morto vivo de tão frio, continuou a tecer como seria o tratamento dali pra frente visto o diagnóstico já meio traçado, medicamentos, novos exames e quando achava que já tinha ouvido tudo, ainda vem mais uma novidade bomba. Resumidamente, foi isso q ele disse: em um novo exame, vamos torcer pelo diagnóstico dele para a ausência do hormônio masculino e a falta de esperma suficiente para gerar filhos seja porque ele (meu marido) tem um órgão falho, devido a uma má formação ou ser um problema genético. Isso vai ser a melhor notícia! – disse ele meio que animado. Nos meus pensamentos, eu perguntava onde estava a boa notícia disso tudo. Pois ele completou: “porque se não for esse o resultado, tudo indica que isso vai evoluir para um tumor futuramente, e será caso de operação”. Uma mutilação foi o subentendido na minha cabeça rapidamente. Já que ele falava em retirar uma parte do órgão. Rapidamente, inverti a situação e pensei em mulheres com câncer de mama e que têm que retirar parte ou o seio inteiro. Sim, era exatamente isso que ele estava falando. Só que dos órgãos genitais do meu marido. O que mais poderia dar errado dentro daquele consultório com relação à notícias? Fiquei até com medo de pensar... E de olhar para o lado, pois os olhos esverdeados do meu mozão estavam vermelhos e as lágrimas escorriam desesperadamente, sobre sua face. Eu queria o mais rápido possível, sair dali e dar um abraço apertado nele. Poder fazê-lo ter a sensação de que dentro do meu abraço ele estaria protegido e que o sofrimento ia amenizar, mesmo que fosse mentira...

Saímos ainda em silêncio do consultório, descemos as escadas sem trocar palavras e nem olhares. Na saída do hospital demos as mãos como de costume. Caminhamos pelo mesmo caminho feito na vinda com a chuva fina caindo sobre nós e só assim tivemos a certeza de que não era um sonho. Pouco molhados, muito desmotivados, demos mais alguns passos até parar debaixo de uma árvore. Somente ali, depois de repassar várias e várias vezes, as palavras do médico mentalmente, nos abraçamos instantaneamente. Ele chorou, eu chorei por ele! Eu chorei com ele e o senti desabar! Temi não consegui segurar seu corpo, segurar a onda, dar conta da situação. Ninguém precisava de mais fracassos naquele dia. Em casa, tentei conversar, tentar puxar dele o que de fato estava sentindo e o que ele pensava à respeito. Com uma tristeza imensa no olhar e na voz, ele conseguiu me dizer que os planos seriam mantidos. Teríamos filhos um dia, quando estivéssemos preparados, adotando ou usando um dos métodos tão utilizados hoje em dia como inseminação, fertilização. Fiquei olhando nos olhos dele e senti tamanha admiração por aquela pessoa e um orgulho tão grande porque numa hora tão difícil ele conseguiu ser sublime e generoso. Como pode? Devia estar com tanta raiva e incompreensão dentro dele. Mesmo assim, foi incapaz de ter uma atitude machista ou preconceituosa com essas novas possibilidades nunca pensadas antes. Eu o invejo! O mundo evoluiu e com ele a medicina que a cada ano descobre novos métodos, novas tecnologias surgem, muitos tratamentos são descobertos, mas por mais evoluídos que sejam os homens, inevitavelmente, quando sua virilidade é afetada, são pré-históricos. É como se fosse uma agressão à sua masculinidade. É uma perda, não só de um pedaço dele, mas parte de sua identidade. Pois, muito familiar e sentimental como ele é, tinha o sonho de ver seus traços e sua genética ser multiplicada e passada de geração para geração. Os filhos são o maior bem que os pais podem deixar no mundo, segundo ele. Seus valores, sua criação e sua crença, tudo foi voltado para isso. E ter que ver, da noite para o dia o sonho de ter uma criança com suas características, personalidade se perder no escuro é duro. E mais que isso, ainda nesse momento nebuloso, ele conseguia ter cabeça para se preocupar comigo. Como eu ficaria? Realmente eu manteria firma a idéia de não ter filhos ou escolher a segunda opção? Tinha medo de que em silêncio eu me ressentisse e me magoasse por essa falha dele. E ainda tinha as cobranças e a pressão que ele sabia não poder correr da família. Como contar? Como falar uma coisa dessas? Será que ele quer falar? Será que prefere o anonimato, a indiferença, o segredo? E como eu posso saber se, dentro dele não está se martirizando demais? Se não está se culpando, se maltratando sem motivos? Dúvida, oh, dúvida cruel! Respeitar até quando que esse é um momento só dele e não ser invasiva?

Tenho medo de que, contando apenas comigo, com meus conselhos, olhares e pensamentos femininos não seja o suficiente. Homem tem que partilhar da opinião de homem. Das palavras masculinas. Do famoso “tapinha nas costas”. Mas, e a vergonha? Homem não se expõe que nem nós? Não falam de suas fraquezas e fragilidades em rodinhas de amigos. Se mostram sempre fortes, sempre bem. Homem tem mais tabus do que a mulher. E tudo que mexa com a sua vida sexual é território proibido. Homens têm medos e fraquezas tanto quanto nós, mas receiam serem ridicularizados. Homens são umas crianças grandes, na verdade.

A tarde logo virou noite, em meias palavras trocamos mais algumas ideias. Chorou, chorou e chorou. Enfim, parou e dormiu. Velei seu sono e orei à Deus. Que não apenas nos abençoe com dias melhores, mas que não maltrate mais uma pessoa tão boa e pura. Tem gente que merece sofrer, outras não. Não passa de pura maldade, sem explicação. Antes, poderia ser uma escolha: ficar comigo e sem filhos (caso eu não quisesse mesmo), ou com outra mulher e com filhos. Hoje, não existe essa opção. E é muito triste quando nos vemos sem escolhas, sem opções na vida, quando todas as alternativas já se esgotaram. Além de impotentes, nos sentimos destinados a uma coisa só. Muito ruim, pois estamos acostumados com o livre arbítrio, coisa essa que à ele foi negado.

Fui ler para distrair e nesse livro, deparei-me com dois textos que me fizeram refletir devida à situação. Um fala de que não podemos ter uma decisão como eterna em nossas vidas e sair por aí dizendo frases com palavras do tipo ‘nunca’, ‘jamais’, ‘nem morta’. A gente está suscetível a mudar de idéia. O ‘nunca mais’ é muito pesado para ser eterno. Deveríamos poder ter escolhas de gostar e não gostar mais, não querer e passar a querer, fazer o não virar sim quando desse na telha. Moral da história: sacramentar uma decisão era arrependimento na certa. Texto dois, esse é mais profundo, é quase uma reflexão: levanta a questão sobre quem somos no mundo perante a recordação das pessoas. Não necessariamente pessoas consanguíneas, mas ligas por algum tipo de afeto. Depois que morremos, as lembranças do nosso jeito, das nossas ideias, e até de nossos guardados são vão existir se alguém se lembrar disso. Do contrário, cairemos no esquecimento eterno! “Existimos enquanto alguém se lembra de nós”, foi a frase usada para arrematar a história. Dessa forma, poderemos viver anos e anos sem estar de corpo presente no mundo. E embora qualquer pessoa possa fazer isso muito bem, passar nossas heranças adiante, quem melhor do que parentes? Filhos, netos, para ser mais precisa. Onde a convivência é maior e sabe-se muito mais... Enfim, achei coincidência demais e fechei o livro. Liguei a televisão e fiquei remoendo esses assuntos na cabeça. Seriam mesmo coincidências ou prévias adiantadas por um anjo bom do que eu e meu marido deveríamos colocar na pauta de discussão nos próximos dias? Brevemente ele acordou e me olhou, tentando adivinhar pelo meu ar pensativo o que se passava. Respondi que nada, que era assunto pra depois. Só que o depois dele chega rápido e então, coloquei uma frase que nem sei de onde tirei para ele pensar, assim que a cabeça e o coração estivessem abertos e sem mágoas. Perguntei a ele, se ele queria ser pai ou se ele queria ser pai de um filho só dele. Ele já ia me responder e eu bem sabia qual seria a resposta quando eu o interrompi e disse: “calma, pense. É nessa resposta que você vai encontrar o sentido da sua vida que você pensou ter perdido hoje mais cedo”. Dei um beijo carinhoso e me virei para dormir. Ele me abraçou como sempre e me disse: “Te amo muito mais hoje, e para sempre”. Mesmo que ele não tenha me dito com clareza, eu já tinha a minha resposta!



Nenhum comentário: