Hoje eu resolvi sair de casa usando um guarda-chuva em pleno sol. Lá longe no céu se formavam algumas nuvenzinhas cinzas, coisa pouca, nada ameaçadoras, mas mesmo assim preferi não arriscar: já estou cansada desse teu chove e não molha. Você parece uma goteira de ar-condicionado, daquelas que a gente encontra no meio da rua e só percebe que encontrou quando sente um pingo gelado na cabeça: puff. Uma gota gelada no couro cabeludo, um pingo escroto no meio das costas, você leva um susto, disfarça pra ninguém perceber e continua o trajeto, não sem acrescentar uma bufada a mais no seu dia. Mas hoje não, hoje eu comprei um guarda-chuva e vou abri-lo assim que você ameaçar começar a pingar. Eu já não aguento mais você, que me atrapalha feito chuva-de-manga em cidadezinha do interior, fazendo todo mundo correr pra debaixo dos toldos, se abarrotar dentro das lotéricas e bancos, se estabanar, e depois de cinco minutos perceber que aquilo tudo só serviu pra abafar o clima (dentro e fora dos estabelecimentos) e que o úmido do asfalto já até evaporou. Assim é você, chega marcando estações e quando percebo já estou encalorada, misturando água e suor com a sua presença, que no fundo nunca mudou de verdade o rumo dos meus dias, mas causou um certo rebuliço. Quando percebo alguém me diz "lá vem a chuva!" e cá estou eu de novo suando as mãos com a sua presença forte e fraca. Casamento de viúva. Quando percebo estou com a minha mais bonita capa de chuva, esperando você escorregar feito chuva molhada pertiiinho do meu corpo mas não me molhar. Grande coisa uma capa de chuva, se ela me protege da chuva de fora, mas me molha do suor de dentro e é aí que entra o pior: você me molhando, mas não me chovendo. Já cansei dessa brincadeira de adulto saindo na chuva, se escondendo no toldo, na capa de chuva. Eu quero agora ser Gene Kely e, singin' in the rain, dançar nas suas gotas. Mas não dá. Eu já estou irritada com esse seu pingo gelado de ar, essa sua chuvinha fraca de manga, essas gotículas que enchem meu cabelo de frizz e me fazem suar em vão. Eu não. Eu quero é me molhar. Mas enquanto não dá, abro meu guarda-chuva, até lá, se você cair, a única coisa que vai poder lamber são os meus pés.
Fê Miceli
Fê Miceli
Nenhum comentário:
Postar um comentário