"Desisti. E isso é a coisa mais triste que tenho a dizer. A coisa
mais triste que já me aconteceu. Eu simplesmente desisti. Não brigo mais
com a vida, não quero entender nada. Vou nos lugares, vejo a opinião de
todo mundo, coisas que acho deprê, outras que quero somar, mas as deixo
lá. Deixo tudo lá. Não mexo em nada. Não quero. Odeio as frases em
inglês mas o tempo todo penso “I don’t care”. Me nego a brigar. Pra quê?
Passei uma vida sendo a irritadinha, a que queria tudo do
seu jeito. Amor só é amor se for assim. Sotaque tem que ser assim.
Comer tem que ser assim. Dirigir, trabalhar, dormir, respirar. E eu
seguia brigando. Querendo o mundo do meu jeito. Na minha hora. Querendo
consertar a fome do mundo e o restaurante brega. Agora, não quero mais
nada. De verdade. Não vejo o que é feio e o que é bonito. Não ligo se a
faca tirar uma lasca do meu dedo na hora de cortar a maça. Não ligo pra
dor. Pro sangue. Pro desfecho da novela. Se o trânsito parou, não
buzino. Se o brinco foi pelo ralo, foda-se. Deixa assim. A vida é assim.
Não brigo mais. Não quero arrumar, tentar, me vingar, não quero segunda
chance, não quero ganhar, não quero vencer, não quero a última palavra,
a explicação, a mudança, a luta, o jeito. Eu quero não sentir. Quero
ver a vida em volta, sem sentir nada. Quero ter uma emoção paralítica.
Só rir de leve e superficialmente. Do que tiver muita graça. E talvez
escorrer uma lágrima para o que for insuportável. Nada pessoal. Algo
tipo fantoche, alguém que enfie a mão por dentro de mim, vez ou outra, e
me cause um movimento qualquer. Quero não sentir mais porra nenhuma. Só
não sou uma suicida em potencial porque ser fria me causa alguma
curiosidade. O mundo me viu descabelar, agora vai me ver dormir. Eu quis
tanto ser feliz. Tanto. Chegava a ser arrogante. Tanta coisa dentro do
peito. Tanta vida. Tanta coisa que só afugenta a tudo e a todos. Ninguém
dá conta do saco sem fundo de quem devora o mundo e ainda assim não
basta. Ninguém dá conta e quer saber? Nem eu. Chega. Não quero mais ser
feliz. Nem triste. Nem nada. Eu quis muito mandar na vida. Agora, nem
chego a ser mandada por ela. Eu simplesmente me recuso a repassar a
história, seja ela qual for, pela milésima vez. Deixa a vida ser como é.
Desde que eu continue dormindo. Ser invisível, meu grande pavor, ganhou
finalmente uma grande desimportância. Quase um alivio. I don’t care."
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