Você sentado do seu lado da cama, eu do meu, cada
um no seu mundinho de relatividades me fez perceber que o amor é delicado e
simples, feito carnaval de rua de interior. Não carece de roupa de grife,
sapato apertado ou de um jantar num restaurante chique da moda. Basta uma
pipoca, um cobertor, uma taça de vinho, e um par de pés embolados naquilo que
se costuma chamar de vontade.
Complicado é o trânsito, o relatório do trabalho,
a prova de matemática. Cuidar do bem estar e da rotina do outro é tão fácil que
aos olhos dos mais preguiçosos parece coisa de outro mundo. As transações não
envolvem cédulas, as trocas não têm burocracia e ninguém é multado por
estacionar no mesmo lugar todos os dias sem aviso de despedida. O amor não precisa
de rímel, salto alto, escova de cabelo, muito menos batom vermelho. A cara
lavada, o sorriso naturalmente doce e os olhos manhosos de quem acabou de
amanhecer por dentro parecem suficientes para sustentar aquilo que se entende
por admiração.
Ele gosta mesmo é do pós-festa quando o figurino
montado é deixado de lado, quando você veste a roupa dele 5 tamanhos maior do
que o seu ou quando troca a plataforma por uma rasteirinha só para dançar até o
pé pedir descanso na noitada com os amigos. Ela já curte seu cabelo desgrenhado
pela manhã, sua barba por fazer, seu cheiro de pele instintivamente afrodisíaco
e o seu semblante frágil e cheiroso que irradia cuidado durante uma gripe.
A complicação vem da gente. da neura da depilação
que está atrasada, da calcinha bege que era a única da gaveta, do medo de não
conseguir levar a gata para um jantar bacana este mês, ou do receio do que ela
vai pensar quando buscá-la de fusquinha branco e não conversível. Isso é medo
bobo de quem fatalmente ainda não entendeu o que é amor.
A simplicidade está no café da manhã feito com
zelo e carinho, nas tardes de domingo ociosas vendo filme na TV, na vista do
pôr do sol com os pés descalços na areia e no modesto chocolate comprado no
ambulante na rua. Está em todas as vezes que se dedica o tiquetaque do relógio
a alguém, nas mãos dadas pelos caminhos obscuros, e na permanência quando o
resto do mundo foi embora. Cultivar uma parceria saudável exige dedicação e não
dinheiro.
Para ser feliz ao lado da pessoa que a gente
escolheu para dividir a travessia tudo de que se precisa é coragem. De encarar
os próprios medos, de vencer os mais cruéis obstáculos, de enfrentar a rotina
de todos os dias e de aprender a sorrir diante as eventualidades do caminho. Se
entregar a uma união é praticamente como abandonar o colchão de molas nos dias
de chuva para se aninhar no tapete da sala de estar. No lugar da pomba, o
aconchego de ser dois. Que saibamos então abandona os carrés de cordeiro, o
cruzeiro pela Europa, as gravatas e paletós engomados, para vestirmos de
verdade o único sentimento que faz a diferença na história deste romance: a
reciprocidade.
O amor é baratinho. Tem sabor de pizza na manhã
da ressaca, sede de suco de laranja caseiro, e a cor daquela toalha de banho
nova comprada na promoção do jornal. Quando a gente finalmente compreende a
essência de ser um casal a vida fecha o seu ciclo de infinidades. Luxo nenhum
compra a paz de se sentir em casa dentro de uma relação. O que importa é aquela
carruagem feita de respeito e tranquilidade que ambos conduzem todos os dias
dentro de si, com todas as bagagens imprescindíveis para uma parceria de
qualidade: vontade, compromisso e bom senso. O resto é bagunça desnecessária
acumulada debaixo do sofá. O amor é simples. Como eu, como você, como aquele
dia em que a gente resolver faltar ao jantar de gala da faculdade para comer
churros na esquina de casa, como o tempo. Quando se entende o movimento dos
ponteiros tudo flui naturalmente. Quando se entende a simplicidade de cada olho
no olho sem maquiagem é que achou a hora de ser dois.
Casal Sem Vergonha
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