17 de abril de 2014

Quem cala nem sempre consente! Não é não, mesmo sem falar!


Só me lembro de acordar e não saber exatamente onde estava. Senti algumas partes do meu corpo doloridas e aos poucos a dor me invadiu e me despertou de que não foi só um sonho ruim. Me lembro de flashs da noite passada mas tudo era muito desconexo ainda, não faziam sentido. Lembrei de olhar ao redor na esperança de encontrar ajuda para me situar. Janela, cama, armário não estavam na posição de sempre. Lençol, toalha, roupas de dormir que não eram minhas. Eu estava perdida, literalmente! E sozinha...

Levantei e senti minhas pernas fracas. Minhas costas pareciam ter o peso do mundo! Com uma certa dificuldade, meio que me arrastei até uma portinha que imaginava ser o banheiro. Nossa, que dor! Nem quando eu começava a praticar uma série intensa de novos exercícios na academia ficava toda dolorida assim. Parecia que tinha levado uma surra! Procurei pelo corpo marcas do que poderia ter acontecido, vestígios que me fizessem ter alguma vaga ideia. Alguns arranhões e nada mais. Nenhuma marca! Olhei-me no espelho e minha aparência era cansada. Mas a sensação era de que eu tinha dormido dias. Joguei uma água no rosto e senti vontade de fazer xixi. Ao sentar no vaso olhei para o chão e vi algumas embalagens de camisinha vazias rasgadas. Ah não, aquilo não estava nada legal! E quando comecei enfim a me desapertar senti uma ardência misturada com dor e me apavorei mais ainda. De fato, aquilo não estava nada legal!

Voltei para o quarto e vi algumas garrafas de bebidas espalhadas pelo chão. Minhas roupas (minhas mesmo, não aquela lingerie vulgar que eu estava usando) estavam caídas junto à porta de entrada. Com certa dificuldade sentei na cama e deslizei por ela para alcançar minha bolsa que estava num criado mudo do outro lado da cama. Cheguei documentos, dinheiro, celular. Estava tudo lá. O celular por sinal, estava quase sem bateria e eu fiquei com ele na mão por segundos pensando se ligava ou não para alguém ir me tirar daquele cenário catastrófico que cheirava a merda mais que a própria dita cuja.

Fui me vestindo lentamente e então, consegui me lembrar de algumas coisas, poucas, mas que ajudavam a dar sentido. Eu sabia como tinha ido parar ali, só não queria acreditar que estava ali naquelas condições. Eu tinha confiado em alguém que mentira para mim, nitidamente tinha me usado e mais que isso, me obrigado a fazer coisas sem vontade. Tá certo, eu não disse não de cara. Mas pôxa, estávamos há meses nos falando, conversando pela cam, trocando confidências e compartilhando até algumas intimidades. Não queria acreditar que ele tivesse me enganado tanto assim, ou melhor, eu não queria acreditar que eu tinha sido tão burra. Lembro que eu fiquei meio relutante ao entrar no carro dele e de vir até aqui. Lembro que fiquei decepcionada quando ele me disse que tinha um presente para mim e quando abri a caixa era uma lingerie vermelha. Esperava flores, bombons, um bichinho de pelúcia, uma foto dele num porta-retrato, não uma calcinha e sutiã. Minhas amigas ganhavam dos namoradinhos coisas fofas e meigas e eu feliz achei que enfim chegaria a minha vez de ostentar meus presentes do meu namorado, porque foi isso que ele tinha dado a entender que éramos. Não gostei, estava na minha cara, mas ele não notou, tudo bem. Topei ir com ele para um lugar mais reservado onde a gente pudesse continuar sem interrupções aquelas conversas que tínhamos pela web ou cel. mas que eram cortadas pelas aparições ou chamados dos meus pais. Achei que íamos falar sobre o time de vôlei da escola porque eu tinha acabado de entrar nele e ele tinha dito que também jogava, mas na faculdade. Achei que íamos falar sobre como os nossos sonhos batiam perfeitamente de terminar a faculdade, conhecer o mundo de mochila nas costas, escrever um livro, plantar uma árvore, casar e ter filhos. Mas assim que chegamos aonde estou agora e sozinha ele só quis saber de ficar passando a mão pelo meu corpo e me pedindo para vestir a lingerie. Tudo bem, eu queria te agradar. Não queria que pensasse que sou boba, mas acima de tudo não queria que ficasse com raiva de mim. Ou pior, desapontado! Então eu vesti e desfilei pra ele, como ele pediu. Eu fiquei envergonhada porque até hoje, além da minha mãe, só minhas duas melhores amigas tinham me visto assim tão intimamente. Eu queria ter uma certa intimidade com ele, eu tinha curiosidade mas estava com medo. Ele começou a me elogiar, elogiar o meu corpo, depois começamos a nos beijar. Lembro de ter falado que estava nervosa e foi então que ele foi até a geladeira e pegou duas  garrafas de uma bebida alcoólica que até hoje eu nunca tinha bebido. Ele disse que ajudaria a relaxar e a entrar no clima. "Vai ficar mais fácil", foi o que ele disse. Ao final da primeira garrafa estava me sentindo meio tonta, meio enjoada, o gosto era amargo não era agradável. Ele insistiu em mais uma garrafa. Eu empurrei e desceu metade apenas. lembro que mal conseguia mexer as pernas e braços de tão pesados que eles pareciam ser. Me larguei na cama pois era apenas isso que o meu corpo pedia. Ai ele veio e começou a me beijar novamente, começou a apalpar minhas partes íntimas, beijava com mordidas o meu pescoço, segurou meu cabelo forte que chegava a doer. Eu me mexia na tentativa de me esconder, me desvencilhar,eu queria mas não queria, estava com medo, meu corpo estava estranho. E agora, ele se comportava como uma pessoa que eu não conhecia, estava impaciente, meio agressivo, com raiva. Eu lembro que pedi pra esperar um pouco, chamei pelo nome e pedi pra soltar as minhas mãos que ele mantinha presas com as dele acima da minha cabeça, mas ele não ouviu, não parou. Lembro de sacudir as pernas mas ele com muita rapidez colocou uma das pernas dele entre as minhas e com o peso do corpo dele em cima do meu fiquei imobilizada. Senti que ele estava tirando os sapatos, pois ouvi o barulho deles caírem no chão. Ele forçou o peito dele contra o meu e com as mãos abriu o zipper da calça, ouvi aquele barulhinho. Ouvi algo parecido com um cinto sendo aberto. Logo depois ouvi um barulho de algo sendo rasgado, ele se movimentou mais um pouco e de repente ele parou. Ele já estava totalmente entre as minhas pernas que já estavam abertas, e ficou me olhando como se contemplasse uma linda paisagem. Seus olhos percorreram todo o meu corpo. Eu evitava olhar pra ele, estava chorando mas não queria que ele visse. Não podia ser fraca! Deixei que ele tirasse o sutiã e me acariciasse. Seu olhar era de desejo e de ele ria de vez em quando, não entendia porque. Ele estava muito diferente. Ele me disse "você é linda, não acredito que vou ter você". Disse mais algumas coisas que não me lembro pois estava tentando ficar concentrada em alguma coisa para distrair o pânico que tomava conta de mim. E de repente com violência ele me puxou pra baixo e eu senti uma imensa dor. Dor essa que senti outra vezes enquanto ele entrava e saia de mim. Virei a cara para baixo e chorei no travesseiro enquanto ouvia ele sussurrar coisas sem sentido e seu corpo estremecer a medida que o movimento ficava mais forte. Não sei quanto tempo durou. Você tinha dito que eu ia gostar, que com isso a gente ia ficar mais ligado, que ia ser bom. Mas não sinto nada disso agora, só sinto dor e vejo um pouco de sangue na cama quando ele saiu de dentro e de cima de mim. Com um simples gesto ele me virou de costas e me largou da cama jogada. agradeci porque tinha acabado. Não sabia o que fazer então fiquei ali deitada, esperando quando ele dissesse pra gente ir. Mas em vez disso, ouvi outro barulhinho de algo rasgando e senti meu corpo sendo puxado pra trás pelo quadril até a boca dele chegar perto da minha orelha e dizer "ainda tem mais gatinha, vamos nos divertir". Fechei os olhos e desisti de tentar fazer parar, já não conseguia falar nada e agora meu corpo nem respondia mais aos meus comandos. Comecei a rezar para que acabasse logo, fechei os olhos e acordei ainda há pouco, confusa, dolorida, sozinha.

E tudo isso, quisera eu, que não passasse de um sonho, de um pesadelo na verdade. Que ao acordar poderia seguir a minha vida sem marcas, sem sequelas, sem medo e sem dor, sem culpa. Mas não, eu me olho no espelho agora e não consigo pensar em mais nada além de que o que aconteceu foi minha culpa, por eu idiota, não ter resistido mais, não ter berrado e gritado, por ter acreditado em alguém que eu achava que conhecia e que agora, provavelmente, eu nunca mais ia ver. E restava a mim, apenas a mim, sozinha, me virar para lidar com a situação, encarar meus pais e amigos, tentar  levar a minha vida de volta.... Mas no momento, tenho que achar coragem para me levantar, vestir minhas roupas e seguir em direção a porta e encarar  o mundo, encarar os fatos, encarar que eu não sei o que fazer agora, que estou perdida e confusão e queria poder me encolher e chorar até cansar e dormir para sempre. Mas sei que isso não será possível e sei também que essa história toda está longe de acabar. E mesmo depois de muito tempo, tenho medo de que as pessoas ainda me julguem, me culpem ou me olhem com aquele olhar de pena, de dó. Não sei o que será pior.

Por fim, reúno forças e saio do quarto para buscar ajuda, e no momento em que cruzei a porta tive certeza de que meu maior problema começava naquele momento: lidar comigo mesma, com a minha verdade!


*esse texto é ficção e foi inspirado num livro que aborda o assunto


Fernanda Miceli