25 de agosto de 2013

Pecados de um olhar





Olhei e cobicei. Sou uma pecadora! Mas não diz o velho e bom ditado que olhar não arranca pedaço? Ufa, então, estou absolvida! E no mais, nem sei se ele tem dona", se é de alguém. Então, pode ser que não tenha sido cobiça. Ahhhh, de fato estou livre de pecados!

Era um dia comum e aquela hora da tarde, voltando para casa do trabalho estava já desarrumada, sem nenhum encanto e me sentindo acabada. Pra variar, peguei o ônibus lutado. Tenho que concordar com a célebre frase que anda circulando pela internet com a cara de Félix de Amor à Vida, que está bombando com seu jargões sarcásticos: alegria de pobre é pegar ônibus vazio! Ôoooo... se é! Mas, como eu não ganhei na mega sena, não tinha tirado a sorte grande de abocanhar um lugarzinho. E, pra variar, só porque tinha vindo em pé, peguei engarrafamento. Não tenho mania de ficar olhando em volta ou encarando as pessoas perto de mim, como muitos fazem, a fim de tentar saber da conversa ou saborear um tico de suas leituras ou até mesmo, dependendo da altura dos fones, ouvir da mesma música que elas. Além de achar falta de educação não gosto quando cometo essas indelicadezas e sou pega com o olhar de censura dos "observados". Parece que estou sendo pega em um flagrante de delito. Péssimo!!!! Então, coloco meus próprios fones, deixo-me levar na música que escolhi e perco-me em meus pensamentos, esperando que dessa forma, quando eu me dê conta, esteja bem próxima os pontos onde a maioria dos passageiros desce e enfim, consigo meu lugar ao sol. Não, não estou me referindo a ter sucesso, mas literalmente sentar ao sol, que lá pelas 15h e tantas da tarde já está naquele ponto se preparando para se pôr, onde torna a visão de qualquer um impossível com tamanha luminosidade!

Até chegar esse bendito ponto, senti um par de olhos em mim, de cinco em cinco minutos e lutava contra a curiosidade de olhar e ver quem é. Mas não o fiz. Se você não quiser ou não tiver a intenção de retribuir olhares, evite-os. Caso contrário, saberá quem a está observando e terá que se manter longe do foco daquela direção. Pois senão, parecerá que está gostando. Portanto, aproveitei um certo momento eu que todos os passageiros se vivaram para ver algo que acontecia no trânsito ao lado oposto do meu e consegui olhar disfarçadamente, fazendo parecer casual. Não gostei muito do que vi. Vi um homem já de idade mediana, com um porte atlético mais para forte, com cabelos ralos lisos e de pele morena curtida de sol. Sua roupa, aparentemente de trabalho denunciava sua profissão. Muito provavelmente, a mesma do meu marido. Por fim, a palavra STAFF nas costas em uma blusa que na frente continha as palavras "Carnaval 2013 - Brahma" confirmavam minhas suspeitas. Sim, ele era um segurança e eu conhecia aquele rosto e par de olhos insistente. Ele trabalhava como segurança num laboratório de análises clínicas famoso, na rua onde eu trabalha, próximo ao meu prédio. Obrigatoriamente, todos os dias pela manhã passava por ele, e como já tinha percebido seus olhares que me causavam certo desconforto, procurava evitar. Olhava para o chão, para o nada, para o lado, tudo menos encará-lo. E olha que ele não fazia nada além de encarar. Um dia ou outro tentou ser mais atirado e lançou "bom dia". Mas, graças a deus estava com meus fones, companheiros inseparáveis de todas as horas e pude fingir que não ouvi. Não vejo nada demais em ser simpática e retribuir pequenos gestos de educação, mesmo que venham carregados de outras e subjetivas intenções, tão sutis que poderiam passar despercebidas. Mas é como falei lá em cima, se você não tem intenção de retribuir para não parecer que está dando corda, que está gostando, evite. Já arrumei encrencas demais por achar que não seria mal interpretada com meu simples gesto de responder um "bom dia". Então, como se não me bastasse fugir de seus olhares insistentes todas as manhãs, agora teria que suportar no ônibus também? PUTZ, azar! E lamentei pelo duplo azar quando me dei conta da "coincidência" desse encontro. Se ele pegou esse ônibus, logo morava "lá pros meus lados" e se ele morava "lá pros meus lados" indicava que outras vezes estava sujeita a pegar o ônibus com ele, de novo. Ahhhhhh nãaaaaaooooooo triplo! Já ficava feliz de saber que que só precisava passar por ele uma vez ao dia, pois para ir embora eu seguia para o ponto na outra esquina. Mas estando no mesmo ônibus que eu, provavelmente seu horário coincidia com o meu, ou pelo menos, largava próximo. Não me lembro de já ter acontecido outras vezes. Mas, não me lembro de muita coisa mesmo, a não ser aquelas em que verdadeiramente presto atenção. No mais, a grande maioria de coisas e pessoas passam despercebidas. Mas hoje, infelizmente, sua presença no mesmo lugar fechado que eu não passou despercebida. E eu não via a hora daquela viagem chegar ao fim. 

Por sorte, um homem de terno e gravata, com feição delicada, voz suave e um perfume pra lá de gostoso pediu para segurar a minha bolsa. Agradeci, pois em determinado momento acaba ficando incômodo e bem difícil se segurar e se manter em meio a bolsas e mochilas e uma ilha de gente te rodeando por todos os lados. Bom, entreguei minha bolsa e casaco e com isso, consegui chegar mais para perto dele, ficando mais longe do "par de olhos insistentes". Não longe completamente de seu alcance, mas sei lá, ali diante de outra pessoa que de certa forma detinha minha atenção, me senti mais segura de não precisar fingir desatenção. Vez ou outra o "moço cheiroso" puxava um assunto comigo sobre o tempo, o trânsito, a imprudência do motorista e coisas desse tipo que me mantinham ocupada. Esqueci um bom tempo da situação chata que estava vivendo. Como já era esperado, em determinados pontos, um grande n° de pessoas descia e um lugar ao lago do bem feitor que segurou a minha bolsa vagou. Ele chegou para o canto e me mostrou muito educadamente o assento que ele tinha vagado para mim. Olhei para o lugar e para o moço que estava de pé na frente dele, com ar cansado, mochila aparentemente pesadas nas costas e que não havia feito menção nem de sentar nem de não sentar. Percebendo a movimentação, o moço se adiantou em me dizer que iria "saltar" no próximo ponto e se espremeu um pouco mais para me dar passagem para me sentar. Agradeci a ele por isso e ao "moço cheiroso" pela gentileza. Não sei porque me senti lisonjeada com gestos tão banais e que eu mesma fazia sempre. Tinha o hábito de segurar os pertences de quem viajava de pé e ceder o lugar à alguém caso o meu destino estivesse próximo. Talvez pelo fato de dois homens terem tido esse gesto delicado tivesse me comovido. Afinal, o cavalheirismo está tão em baixa ultimamente que até nos assustamos com tamanha educação. 

Depois de me sentar confortavelmente e sentir que joguei um certo peso de cansaço no lugar, endireitei minhas coisas no colo e entreti-me com as pessoas que disputavam para descer primeiro umas com as outras. É engraçado isso: as pessoas querem entrar primeiro e descer primeiro. Nunca essas ações são simplesmente calmas. E vendo as poucas pessoas que ainda estavam em pé, porque não havia vagado lugar suficiente, desviar pra cá e pra lá com suas coisas para dar passagem a quem ia descer, eu o vi. E paralisei! Levou alguns segundos para eu recobrar o controle do meu corpo, da minha respiração que tinha prendido e de voltar a mim, depois de ir à lua e descer. NUNCA tinha me deparado com alguém que tivesse capturado minha atenção em fração de segundos. E por um misto de coisas: pela beleza, pelos olhos claros, pela curva da boca, pelo corpo atraente, pelas tatuagens nos braços e nas pernas e principalmente, porque seus olhos encontraram os meus e não desviaram.

Senti um calafrio percorrer todo o meu corpo apesar de estar um calor das arábias. Minha reação primária foi desviar o olhar e fingir que não notei. Impossível, mas tudo bem! Mexi no celular, olhei pela janela, mexi no cabelo, na aliança no meu dedo. Aliança... Deus, como eu poderia estar me sentindo atraída por outro homem que não fosse o meu marido, o qual eu amava demais e era um sonho de homem? Será que isso é normal? Eu estava sendo uma promiscua? Não era a minha intenção. Não procurei isso, simplesmente aconteceu! E ele notou. Quem dera que ele não tivesse percebido. Só eu saberia e poderia sufocar e repetir pra mim mesma que foi bobagem. Mas não foi, ele também me notou, e como! 

Tal foi o impacto com ele que me esqueci completamente da criatura ó de quem eu fugira a viagem toda. Acabou que quando me dei conta, ele estava sentado bem atrás de mim. Ufa, menos mal. Assim eu não precisava criar rotas de fuga para não encará-lo. Pensando em deixar bem mais claro a dimensão do meu desagrado pelas suas atitudes, resolvi prender o cabelo num coque improvisado e usei justamente a mão de minha aliança para fazer isso, demorando bastante, torcendo para que ele notasse o círculo de ouro na minha mão e resolvesse me deixar em paz. Acabei de prender o cabelo e me pus novamente a cruzar olhares com aquele ser tatuado que me causava falta de ar, de palavras e de raciocínio. Como, há pouco menos de um minuto, estava usando meu casamento, emoldurado pela minha aliança, para afastar admirador inconveniente e agora, nem me preocupava com o fato de estar olhando na cara de pau, desrespeitando a mesma aliança que fiz questão de ostentar? E o pior, e se ele visse a aliança na minha mão? Meu comportamento de mulher casada não condizia com o que estava acontecendo. Oscilei em fração de segundos entre a minha razão e a minha emoção. Eu não procurei o que estava acontecendo, aquela troca de olhares, aquele flerte sutil, mas também não recusei. Passei a me sentir incomodada comigo mesma, mas não conseguia evitar de olhar. Às vezes, ele mexia com os ombros, fazendo uma careta de desconforto ao ajeitar a mochila que pesava sobre eles. Veio na ponta da língua a vontade de pedir para segurá-la, mas travei quando me dei conta de que ele pudesse entender aquele gesto como um pretexto para puxar conversa, para uma proximidade e não era. Na verdade, eu não queria falar. Preferia continuar assim, mudos, como estávamos, apenas trocando olhares. Então, me segurei e deixei-o alternando o peso da mochila nos ombros afim de aliviar a dor. Aproveitei para fazer uma avaliação mais apurada já que ele se encontrava na minha frente, sem obstáculos e aparentemente distraído com a vida lá fora. 

De fato, ele não era NADA de se jogar fora. E ainda por cima, continha um ar misterioso. Ele parecia um gigantesco enigma, ansioso para ser desvendado. Mas era ao mesmo tempo tímido. Notei quando desviava o olhar quando olhava para ele. Nitidamente, ele tentava em vão disfarçar e parecia igualmente preocupado com o tipo de julgamento que eu pudesse fazer dele pela sua atitude. Em determinado momento a pessoa que estava sentado na frente dele se levantou e ele, pode se sentar, aliviando o cansaço de uma longa viagem em pé e com peso nas costas. Mas não sem antes, dar uma meia parada e um olhar mais demorado para mim, antes de me virar as costas para se sentar. Ao fazer isso, notei que sua pele à luz do sol tinha uma cor encantadora. Moreno da cor do pecado! Ao sentar-se, passou a mão pelos cabelos repetidas vezes e eu avaliei se seria nervosismo, uma mania ou uma atitude sem nenhum significado. Diferentemente da maioria das pessoas, não ouvia música, mas estava com o celular à mão. A combinação blusa, bermuda e tênis dava um visual despojado e ajudava a cobrir parte de suas tatuagens na perna esquerda e no antebraço direito. Por vezes, o perfume do "moço cheiroso" ao meu lado invadia meu ser e confundia minhas ideias. De repente, meu moreno se levantou. Meu coração apertou. Ele deu sinal para descer no próximo ponto. Parou perto da porta e esperou que o motorista a abrisse. Nem uma olhada para trás, nada. Fiquei meio desolada sabe? Quando iria voltar a vê-lo novamente? Possivelmente nunca mais! Quantas pessoas só cruzamos uma vez na vida? Um monte! E o fato de eu saber aonde ele iria descer não queria dizer nada. Ele podia morar ali, ou alguém da família, uma namorada talvez. Podia trabalhar ou estudar por ali. Podia estar indo resolver alguma coisa por ali... nunca vou saber.

Ele desceu e pôs uma mão no bolso e a outra segurava uma das alças da mochila que prendia em um de seus ombros. Andava com passos firmes porém lentos. O sinal fechou e pude avaliar seu andar, admirar sua beleza de longe sem medo de ser notada ao fazer isso. De fato, o conjunto da obra era perfeito. Deus tinha sido muito generoso com seu molde. E ele não parecia se dar conta disso ou deixar que isso dominasse suas relações. Não me parecia, ao menos de longe, alguém que usava da beleza para conseguir algo. Embora, inegavelmente, por causa dela, deveria atrair muitos olhares e mulheres. Ele parou numa rua paralela, esperando o sinal fechar para atravessar, mas não sem antes, dar uma última olhadinha pra trás. Meu coração sorriu. Ao menos, ele olhou! Já estava me sentindo meio que um nada por ele ter olhado tão efusivamente num minuto e no outro me descartar assim como se eu nada fosse, embora eu soubesse que era isso mesmo que eu era para ele, nada. Nada além de uma mulher e quem nem sei se achou bonita ou se sentiu atraído de alguma forma, que ele olhou algumas vezes num ônibus, sem nada em especial, assim como deveria olhar muitas pessoas. Mas o fato dele olhar para trás e me procurar fez com que eu me sentisse um pouco mais confiante. Não durou mais que segundos, pois o meu sinal abriu e meu ônibus seguiu seu destino. E logo, ele não era mais do que um pontinho cada vez menor até eu perder de vista de vez. Engraçado como certas pessoas podem causar reações inesperadas na gente. Quando que eu poderia supor me sentir atraída por um estranho qualquer, dentro de um ônibus, vindo do trabalho, acabada? A gente sabe que nunca se sabe quando alguma coisa vai acontecer. Mas, depois de um tempo, me senti meio que "fora do mercado". Não foi só pelo fato de ter me casado. Pelo fato de meu corpo não ser mais o mesmo e de não saber como me comportar mais em situações como essa. Apesar de ser notada, cantada e cobiçada algumas vezes, sempre atribui isso a estar arrumada e produzida. Uma boa produção era capaz de transformar qualquer mulher! E embora ultimamente eu estivesse me arrumando mais para ir trabalhar, tirando os dias sem disposição, não achava que isso fosse fazer grande diferença ou milagre. E de fato, não fez. Nem quis me olhar no espelho, mas sabia que estava completamente diferente de como me arrumei às 05h da manhã. Foi um ótimo chute na bunda na minha autoestima. E um bom tapa na cara de acorda para o meu ego. Sim, eu estava satisfeita. Estava feliz. Estava me sentindo renovada. Não pelo fato de, de repente (o que eu nem sei) estar sendo desejada por outro homem porque meu marido não deixa dúvidas do seu desejo por mim, pelo meu corpo e por quem sou. Mas porque eu me permiti acreditar e aceitar que pude chamar a atenção de alguém lindo, sendo apenas eu. Aquela altura já não me interessava mais nada a não ser o sorrisinho bobo que eu levava no canto da boca e a imagem daquele moreno que sabia que iria demorar a sair da minha mente. "É, pensei, às vezes, um olhar faz mais que bem". E tão longe eu estava que nem me lembrava mais do homem que me incomodava e que eu tentava ignorar. Só voltei a perceber sua existência quando esse levantou-se e foi descer perto da minha casa. Tal proximidade deveria me deixar amedrontada com a possibilidade de cruzar com ele pelas ruas, mas naquele momento pensamentos de chateação não tinham espaço para entrar na minha mente. Ele também não olhou quando desceu. Percebi apenas que se manteve parado no ponto quando desceu como se esperasse alguma coisa. Nem dei bola mais...

Mais ou menos cinco minutos depois cheguei ao meu destino. Coloquei a bolsa no ombro, o casaco no braço, o cel no bolso de trás da calça e me levantei me preparando para dar sinal. Uma voz suave e macia veio de encontro aos meus ouvidos e só então percebi que ainda estava ao lado do "moço cheiroso" e educado. Ele abriu um sorriso lindo, perfeito e brilhante para mim, acenou com a mão e disse "tchau linda, boa tarde". Meio que sem reação porque fui pega desprevenida e com pressa pois o ônibus já estava parando e abrindo as portas, sorri de volta, tentando passar toda minha simpatia e retribui com um "obrigada, pra você também. Tchau!". Desci do ônibus bem satisfeita com o meu desempenho e as reações que eu tinha provocado em três caras diferentes. Atravessei à rua rindo e segui pra casa pensando... "homens, vai entender?!"





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