16 de novembro de 2010

Carta de despedida

Hoje faz sete dias que minha vó se foi. A dor da saudade ainda é grande e acho que mesmo após anos, a imagem mais marcante que terei na memória é a dela, entubada, inconsciente, em um CTI. Fiquei muito perturbada com esta cena. E depois de ficar ali, ao lado de seu leito, esperando por apenas um momento de consciência e lucidez para me redimir de meus atos, percebi a absolvição que talvez nunca viesse.

A gente sempre acha que está preparado para o pior. Mas, nunca está. A gente, embora entenda racionalmente a situação e às vezes prefira que o ente querido se vá a ficar sofrendo, privado de suas vontades e em cima de uma cama, nunca sente racionalmente a situação. Somos totalmente emocionais e passionais. E embora a gente venha amaciando em nossa mente a hora da notícia da partida, o adeus final nunca é como imaginamos ou ensaiamos. E a ficha da perda não cai totalmente na hora não, muitas vezes só dias depois, com o passar do tempo e as situações rotineiras que somos forçados a enfrentar: a ausência à mesa, nas refeições, o diálogo diário, o quarto cheio de lembranças, a casa vazia, a vida meio sem sentido.

Fiquei desde o dia em que ela se internou no hospital pensando em algumas questões que talvez eu não tivesse me dado conta antes ou que não tivesse dado a devida importância. Questão estas que agora são tarde demais para resolver no plano material e só me resta o entendimento dela no plano superior, elevado, espiritual.


“ ... acariciando sua pele fria e trêmula, já pressentindo suas ultimas horas de vida, esperançosa de um olhar de reconhecimento em vão. Por tantas vezes ignorei ou reclamei de frases triviais dita-me ao longo do dia, como: olha o pé não chão; não esqueceu de nada?; já pegou o guarda-chuva?; saiu do banho quente e tá abrindo a geladeira!; não dorme de cabeça molhada, não faça isso, faça aquilo outro... agora rezo para escutar. Pago hoje o preço de não ter dado o devido valor em vida tanto quanto você mereceu! A gente sempre acha que já disse tudo a alguém, e nosso maior erro é achar que o outro sabe de tudo que pensamos e sentimos explicitamente. Sendo assim, me pergunto: A senhora sabia o quanto eu te amava? Acho que não aproveitei todos os dias em que esteve sã e saudável para poder dizer e demonstrar o quanto você era de fato importante para mim. Foi através de seus primeiros cuidados que me tornei a pessoa que sou hoje. E por causa de suas broncas e repreensões soube cultivar valores e atitudes que carrego comigo para a vida toda. Ao mesmo tempo que era durona e impunha respeito tinha um olhar doce e um jeito meigo que me fazia crer que de você tudo eu conseguia ter. Sua bondade era infinita e sua paciência eterna. Qualidades estas que tento inserir em mim. Sei que de onde está hoje, em algum lugar lá em cima, me ouve e me guia, e desta forma, eu te falo: obrigada! Por todas as vezes em que esteve ao meu lado, mesmo que eu estivesse errada, me ensinando o certo. Por todos os cuidados nas horas que eu estava doente. Por todas as rezas que desprendeu para mim quando eu me encontrava fora de casa e se preocupava com meu bem estar. Por todas as vezes que eu te solicitei e você voltou. Por sempre ter mudado seu caminho em função dos meus. Já que dizem que nunca é tarde para se agradecer. Espero não estar esquecendo de nada. Caso contrário, posteriormente agradecerei, em nossas conversas mentais diariamente. Ah, e espero que você também me perdoe, com sua imensa generosidade. Por todos os momentos de briga, intolerância, incompreensão ou rispidez. Desculpe a minha arrogância e ignorância por não perceber suas necessidades e fazer pré-julgamentos de suas atitudes. Sei que agora é um pouco tarde para olhar em seus olhos a procura de uma menção de perdão. Você me olha, mas não me vê. Me ouve, mas não me escuta. Me toca, mas não me sente. Seus sentidos estão se indo, junto com a sua consciência. Mas a minha fica aqui, pesada, cheia de culpas e arrependimentos, por saber agora que antes eu tinha todo o tempo do mundo para falar, aproveitar, dar valor e principalmente ouvir mais, de você, da sua história, das suas vivências, da sua experiência e ter desperdiçado com atividades banais ou pessoas agora sem importância. Ah, se o tempo voltasse, mas não volta! Não sei se eu faria diferente... mas poderia tentar. Meu consolo é saber que você teve uma boa vida e, dizem as más línguas que aproveitou a vida que teve. Soube viver! Será que sim ou suas escolhas e as de terceiros a acabaram levando a vida que tinha até dias atrás? Acho que nunca saberei. Mas prefiro ficar com a versão de que era satisfeita, realizada e feliz. Só quero que me prometa uma coisa, entre tantas outras que já me prometeu: que nunca vai me esquecer. E que sempre dará um jeito de vir me visitar e estar perto de mim. Me orienta, cuida, abençoa, como sempre fez. Se faça presente, como era de sua pessoa. Acalenta minha alma. Conforta minha dor. Porque eu vou contar com isso. E se for possível, se permitirem aí em cima, venha em sonho, visão ou sensação me contar como é o outro lado da vida. Se é bonito como aparece nas novelas. Se é calmo e exala paz. E como são os anjos? Tem asas, rs? Já encontrou alguém da família, pais, irmãos, marido? E você volta quando? Hein? Vamos nos encontrar daqui a algumas vidas novamente? Espero, ansiosamente, que sim! Que em minhas orações encontre uma forma de manter viva a nossa ligação e acesa o meu amor e carinho por você. Deixando assim, em mim a sensação não do Adeus definitivo, mas somente do Até Breve. Deitada, agora em sua ex-cama, agarrada aos seus ex-travesseiros, lentamente vejo os dias passarem e dentro deles oscilo entre muita e pouca falta, mais ou menos saudade. Dizem que o tempo ameniza a dor, não sei. Nunca passei por uma perda tão próxima. Mas uma coisa é certa, seu lugar sempre vai estar garantido entre nós e em meu coração, assim como na lembrança e nas pequenas coisas do dia. Sua presença não só é muito forte dentro desta casa, mas em todos nós que cercávamos você ou que por você éramos cercados. Você era o seio da família e a razão de vida minha e de minha mãe. É, não tem jeito, você se foi, mas deixou sua maior herança para nós... você em vida. Ter nos dado a oportunidade da convivência e do aprendizado com você. Isto é meu maior tesouro. Como nas suas orações, sei que está bem guardada e acomodada aí em cima, ao lado do nosso Senhor. E vai continuar sua jornada ajudando outros assim como fez em vida, aqui na Terra. Faça o bem e seja boa como sempre foi. Esta agora é sua nova missão. E, missão dada vó, é missão cumprida. Com certeza!”



Neguinha (Fernanda)

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