4 de setembro de 2012

Ne Me Quitte Pas



Ne Me Quitte Pas


Fui convidada pela minha amada professora de dança Madelon a integrar uma turma que não é a minha para dar "volume" a coreografia! No meio de uma coreo, surgiu uma outra e acabamos indo parar nela também. Logo de cara a música me encantou, além de ser em francês (língua que amadoro), ainda foi tema de uma minissérie que eu gostei muito "Presença de Anita". 

A música em si já é uma inspiração para a coreo vir de dentro d'alma. É sofrida, é introspectiva, é reflexiva. Sobretudo é uma música que inspira e incentiva uma última atitude. Tudo em prol do seu grande amor. Amor esse que está longe de ser aquele idealizado, perfeito, tranquilo, aquele amor que nos serve, que nos cabe, que acalenta, que nos basta. Esse amor que canta a música é aquele amor desesperado, desmedido, que vai corroendo, aquele amor desesperador como que sem ele não pudéssemos viver. É aquele tipo de amor que nunca nos basta e com o qual nunca estamos seguras. Amor que arde que nem fogo nunca é confiável. Não começa bem e tá longe de terminar bem. O que não nos dá sossego não pode ser do bem...

O refrão da música vislumbra-se o desespero total: aquela hora que você tenta suas últimas cartadas na esperança de conseguir demovê-lo da decisão de terminar, de partir, de sair da sua vida e do alcance de suas mãos. Eis que percebe que não tendo sucesso, grita, implora, se arrasta no chão por ele, que bate a porta nas costas dele e na sua cara e nem sequer olha pra trás pra ver como você ficou ferida!

É aquele amor unilateral. Que só tá bom pra um, mas o outro aceita porque não vive sem. É um amor de subserviência onde um está sempre submisso ao outro independente da sua vontade. Onde reina o medo de perder, o medo de sofrer, o medo de desgostar do outro, o medo de não saber viver sem, o medo até de ser quem a gente é para não desagradar.

Já vivi um amor assim. Faz um tempo. Não tanto tempo assim, mas o considerável para ser esquecido por um amor completo, verdadeiro, de certezas e de paz. Não é que o antigo não fosse amor e nem que o de agora não seja. São tipos de amores diferentes. Um era o amor da necessidade, e o outro é um amor que se basta! Só que o primeiro é um tipo de amor destrutivo, o outro é construtivo. Quando o inevitável enfim se deu e o término chegou, pedi o chão, o ar e a dor emocional tornava-se física. Era quase insuportável viver. Dias, semanas, meses, jogada na cama, na vida, achando que nada mais valia a pena e que não voltaria a ser feliz novamente, tão pouco com outro senão fosse ele.  Fui aquela típica mulher sem amor próprio, corri atrás, me humilhei e me sujeitei que ele pisasse novamente e me fizesse de gato e sapato de novo. E mesmo com todo esse cenário catastrófico eu não conseguia me desvencilhar desse sentimento que me arruinava. 

Pior erro dos erros: tentar curar um amor inacabado com outro amor. Ou achando que o outro, o novo, é amor. Se ainda amamos o velho, mesmo que não valha a pena, nunca vamos estar livres ou ao menos nos sentir livre para tentar de novo. Vai haver negativas, comparações, não vamos nos doar de todo. Vai ser mais uma pessoa magoada e em vão. Vamos nos sentir culpadas por dilacerar mais um coração que só veio com boas intenções, como se já não bastasse o nosso esmigalhado. Ele tem que acabar sozinho, tem que morrer de morte morrida e não matada. Um dia, simplesmente nos damos conta de que ele passou, que a gente pensa no amanhã sozinha ou com outros e que acima de tudo percebe que aguenta a dor e a decepção de uma grande desilusão amorosa. E a vida ganha cores, amores e sabores...

Lembro perfeitamente a sensação de vazio, a sensação de ser um nada e mesmo assim, ainda assim, querer ser usada. Safada e sem vergonha isso é o que nos define. Quer dizer a quem se presta a isso e eu me incluí na história. Dá vontade de arrancar a cabeça fora, porque é uma fixação de pensamento que nem dormindo não pensamos. E saímos na rua a espera de um acaso do destino de dar de frente com ele. E ao mesmo tempo medo, e se ele estiver acompanhando? Teremos que comprovar que fomos trocadas? Que tudo que nos foi dito era mentira? Fomos usadas? Pra onde foi todo aquele amor, cadê aquela pessoas amável, adorável que fazia planos, que tinha 1000 apelidos pra nós, que nos ligava, que nos deixava recados fofos? Nunca existiu? Queremos que ele pague, queremos que ele morra, queremos vingança... mentira! Não queremos nada. Na verdade, queremos sim: ele de volta!

Dor, dor, dor...
Não me deixe, não me deixe, não me deixe berra a música no auge do desespero de alguém.  E meu coração pulsa mais forte só de lembrar da sensação que um dia eu senti. Sensação de perda, sensação de rejeição; começamos a não nos achar boas o bastante para alguém que se sente superior sem ser. Que esconde atrás de seus gestos impiedosos uma pessoa frágil e carente.

Sinto em cada nota como se fosse ontem e fecho os olhos dançando nas memórias de uma relação instável, martirizaste, degradante. Danço na tentativa de me libertar de uma relação de dependência emocional nada sadia. Onde um joga no outros suas frustrações e deposita não só toda a expectativa mas a obrigação de nos fazer felizes, quando nem nós nos fazemos.

Consegui me livrar e aprender com esse amor doído. E agora, cara de dor só mesmo na interpretação da música. Mas confesso que é impossível não se deixar levar por 1 minuto pelas lembranças verídicas traduzidas em versos, notas e acordes. Sinto em meus ombros, pés e pernas o peso do "Ne Me Quitte Pas ", mas eu, justamente eu, logo eu, e por minha causa, deixo-o partir sem arrependimentos, sem mágoas, sem raiva e sem nada. Do nada veio e ao nada retorna. Apenas uma foto, uma música e uma vaga lembrança e nada mais...

Fernanda Miceli

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