30 de janeiro de 2013

E ainda parece que não é verdade...


E ainda parece que não é verdade... O sentimento de incredulidade tomava conta do velório que aos poucos recebia mais e mais pessoas timidamente entrando na sala e se perguntando mentalmente se aquilo estava mesmo acontecendo. As pessoas demoraram um pouco para avaliar a situação e deixar a ficha cair. Mesmo assim, inevitável a sensação de surrealismo. Uma hora ela estava conosco, muitas pessoas chegaram a falar com ela 24h antes de tudo acontecer... A sensação não era de perda simplesmente. Era como se ela tivesse sido arrancada de nós e não apenas partido! Todo enterro é comovente e triste. Ninguém fica feliz em um enterro quando alguém morre. No máximo conformado quando a morte se torna inevitável e irremediável. Bom, para todos nós é assim mesmo. Mas, para algumas pessoas, a morte vem mais rápido do que para outras. Mas o clima ali era pesado, de indignação, inconformidade, não aceitação. Como a vida de alguém se acaba assim?

Acho que pior momento, de todos que foram muito ruins, foi a hora de fechar o caixão. Quando a mãe dela,  teve que ser retirada de cima do corpo da filha e tomada pela revolta e pela dor, berrava: que Deus é esse que faz isso com uma mãe? Cadê a justiça e a bondade? De fato, acho que no nosso íntimo, estávamos todos nos fazendo a mesma pergunta. Um dia a gente entende, um dia a gente aceita, uma dia ameniza e passa. Mas no auge de todos esses sentimentos em ebulição, ninguém consegue aceitar de bom grado, por melhor e mais compreensivo que seja. A irmã dela desmaiou e eu e meu marido junto com alguns amigos em torno a amparamos. O pai dela, incrédulo ainda com tudo aquilo estava paralisado, estupefato. Não emitia nenhum som, não esboçava nenhuma feição. Duro que nem pedra. Desconfio que era para não se entregar a emoção! Cada pessoa que entrava naquela sala e que eu conhecia, que tinha convivido - e que eram muitas - era uma história que eu lembrava. Era coisas bobas que de uma hora para outra não iriam mais fazer parte da minha vida. 

Passei a boa parte do velório no fundo da capela ou do lado de fora. Salvo quando parava para explicar a alguém o que tinha acontecido. Não estava me sentindo muito bem. Não fui lá perto do corpo. me despedi mentalmente, à distância. Já me bastava ter que vê-la fria, inchada e cheia de hematomas quando cheguei ao hospital para ajudar a mãe a vestí-la. Lógico, ela estava sem estrutura e fui dar meu suporte.Mas, isso, foi além da minhas capacidade  de aguentar. Uma cena horrível que não sei quando e se sairá da minha mente. ver a mãe dela ali, conversando com ela em um lamento profundo foi de cortar o coração! Passei a mãos em seus cabelos emaranhados, seu rosto gelado na esperança de que aquilo fosse somente um sonho ruim. Mas não, não era. Era a minha pequena de fato, deitada ali naquela maca imóvel, sem vida, rosto sem expressão. Não parecia ela. Não parecia nada com ela. Depois dali, a manhã até a hora do enterro correu muito rápido e eu não sabia até que ponto aquilo ali era bom ou não. Ao mesmo tempo que eu sabia que a partir daquele caixão fechado eu nunca mais veria ou estaria com a minha amiga, preferia que acabasse logo esse sofrimento prolongado. Não ia fazer melhorar a dor ficar ali vendo-a daquela forma depois de tudo que ela foi em vida. E já me bastava as imagens ruins de manhã. Por mais que chorássemos, ela não voltaria para nós. Por mais que desejássemos, ela não estaria mais entre nós. Parecia um anjo pela expressão tão serena. mentalmente lembrava da sua gargalhada, do seu jeito meigo de falar comigo, das suas piadas e brincadeiras. Lembrei dos planos para praias e blocos no carnaval. Para o aniversário da irmã dela. Lembrei que ela estava ansiosa para que eu conhecesse o novo namorado, no qual ela ñ parava de falar, dizendo que estava sendo a melhor coisa que tinha acontecido na vida dela ultimamente. Lembrei que quando falávamos no tel ela sempre implicava com o chorinho da minha au au Jacqueline. E que brigava sem parar com o Lucas que aprontava uma atrás da outra. Ou com a sua gata Juju, que tb era muito sem vergonha. Lembrei dos planos de saídas para esse ano. Lembrei que ela me disse que essa semana passaria aqui no meu trab e iríamos parar em algum canto e beber e comer algo, colocar as fofocas em dia. Não eram grandes eventos e sim as coisas simples e corriqueiras que me faziam bem estando com ela.E isso, eu nunca mais teria!

Desde que cheguei em casa do enterro até hoje - tentei reestabilizar a minha rotina: experimentei fazer um bolo, li, vi tv, ouvi música. Arrumei a casa e brinquei com as minhas doguinhas; coloquei a Alice para dormir. Arrumei tudo quanto foi jeito de manter minha mente ocupada, para não pensar, não sentir o que parecia impossível. Quanto mais eu queria me afastar, mais perto eu ficava! Meu pensamento voava quando eu menos esperava e lá estava eu de novo, pensando em nós, nas tantas vezes que estávamos juntas onde a nossa cia nos bastava para ficarmos felizes. Depois de muito chorar, por hora parece que não tenho mais lágrimas. E o peito fica mais aliviado quando eu penso que se tivesse ficado aqui, sofrendo, eu morreria um pouco mais a cada dia. Aos pouquinhos vou me acostumando com a ideia de sua partida, mas ainda existem horas que tenho um lapso de memória e me pego pensando em ligar, combinar, conversar... espero que um dia essa loucura passe!

Remexi em algumas fotos a pedido da família, para que pudessem fazer uma homenagem. Ali, envolta naquela mar de lembranças não pude deixar de conter as lágrimas, mas eram de saudade e tristeza, já não mais de dor. Acho que ali, naquele lugar frio, num canto do hospital, sem perceber, fiz a minha despedida. Não garanto que não irei mais chorar e nem que não vai mais me lamentar, mas começo a me sentir um pouco mais conformada, estou tentando me adaptar a essa nova realidade. Não vai ser fácil, eu sei, muito menos não ter recaídas. Mas vou tentar. Por ela, principalmente por ela. Pois sei que não gostaria de ver tds que ama sofrendo descompensadamente desse jeito, se ela está bem, agora! Então, vou tentando me reerguer e guardar o melhor dela, de nós... Porque ela era alegria, vida, cores, sons, esperanças e inovações. mesmo nos momentos ruins ela conseguia extrair algo bom!

Me despeço hoje com uma música que ela gostava muito: Paciência!
Coisa que horas ela tinha de mais e outras de menos. E constantemente, procura saber o equilíbrio e a hora certa de usar cada uma...

Paciência

Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma
Até quando o corpo pede um pouco mais de alma
A vida não para

Enquanto o tempo acelera e pede pressa
Eu me recuso faço hora vou na valsa
A vida é tão rara

Enquanto todo mundo espera a cura do mal
E a loucura finge que isso tudo é normal
Eu finjo ter paciência
E o mundo vai girando cada vez mais veloz
A gente espera do mundo e o mundo espera de nós
Um pouco mais de paciência

Será que é tempo que lhe falta pra perceber
Será que temos esse tempo pra perder
E quem quer saber
A vida é tão rara (Tão rara)

Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma
Até quando o corpo pede um pouco mais de alma
Eu sei, a vida não para (a vida não para não)

Será que é tempo que lhe falta pra perceber
Será que temos esse tempo pra perder
E quem quer saber
A vida é tão rara (tão rara)

Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma
Até quando o corpo pede um pouco mais de alma
Eu sei, a vida não para (a vida não para não... a vida não para)

E fico também com uma foto dela em um dos muitos momentos felizes que ela teve na vida. Disso, com certeza ela nunca irá se lamentar. A vida não passou e ela deixou passar. Quem passou foi ela, minha flor, e arrastou a vida com ela! Porque, literalmente, a vida dançava as notas que ela tocava!



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